Os últimos anos têm sido desafiadores para o planeta Terra, com uma pandemia devastadora e uma sequência de ondas de calor recordes e desastres naturais. Esses eventos são exemplos de pôr que alguns defendem que a humanidade precisa encontrar outro lugar para viver. Postos avançados na Lua ou em Marte poderiam funcionar como uma apólice de seguro contra a extinção causada por catástrofes ou autodestruição.
No entanto, há muito que não sabemos sobre nossa capacidade de sobreviver e prosperar no espaço – incluindo a questão da reprodução. Agora, o estudo de esperma de camundongos liofilizado, armazenado na Estação Espacial Internacional (ISS) em uma caixa de proteção contra radiação, pode ajudar a entender melhor a habilidade dos mamíferos de procriar fora da Terra.
Quando essas amostras retornarem ao planeta no próximo ano, o professor Teruhiko Wakayama, da Universidade de Yamanashi, no Japão, analisará o impacto do ambiente espacial e verificará se elas podem ser usadas para gerar filhotes saudáveis. Em seu laboratório, Wakayama está desenvolvendo um dispositivo que permitirá aos astronautas realizar fertilização in vitro (FIV) de roedores na ISS nos próximos anos. Segundo ele, esses experimentos podem ser cruciais para salvar a humanidade.
“Nosso objetivo é estabelecer um sistema para preservar de forma segura e permanente os recursos genéticos da Terra em algum lugar no espaço – seja na Lua ou em outro local – para que a vida possa ser restaurada mesmo que a Terra enfrente uma destruição catastrófica”, explica Wakayama.
Embora pareça algo saído de um filme de ficção científica, Wakayama tem desafiado os limites da ciência reprodutiva há décadas. Em 1997, ele participou do desenvolvimento de uma técnica inovadora que resultou no primeiro clone de camundongo a partir de células adultas.
Reprodução em ambientes extremos
Wakayama liderou um estudo sobre o desenvolvimento de embriões de camundongos no espaço – algo que antes só havia sido testado com anfíbios e peixes. A equipe dele também inovou no método de liofilização de esperma de camundongos, que permitiu enviá-lo para a ISS, onde foi armazenado em um freezer por até seis anos. Quando as amostras retornaram à Terra, foram reidratadas e usadas para gerar camundongos saudáveis.
Com base nesse estudo, os pesquisadores concluíram que o esperma liofilizado poderia permanecer viável por 200 anos no espaço. Apesar de impressionante, Wakayama acredita que esse período ainda é insuficiente para os desafios futuros. Em sua pesquisa atual, ele está testando um dispositivo que protege o esperma da radiação enquanto armazenado em temperatura ambiente, explorando a possibilidade de preservação indefinida no espaço.
Experimentos no espaço: galinhas a baratas
Desde as décadas passadas, cientistas têm enviado criaturas terrestres ao espaço para estudar como a microgravidade e a radiação cósmica afetam processos biológicos, incluindo a reprodução. Em 1989, por exemplo, ovos fertilizados de galinha foram enviados ao espaço em um experimento apelidado de “Chix in Space”. Já em 2007, uma barata chamada Nadezhda deu à luz 33 filhotes concebidos em órbita, que apresentaram exoesqueletos anormalmente escuros.
Virginia Wotring, professora da Universidade Internacional do Espaço, aponta que algumas espécies, como o peixe medaka e caracóis, conseguiram completar o ciclo reprodutivo no espaço. “A transição para mamíferos é o próximo passo lógico”, afirma.
No caso dos camundongos, o esperma atualmente armazenado na ISS retornará à Terra em 2025 para estudo. Wakayama busca um método de preservação permanente para células reprodutivas.
Desafios para sobrevivência no espaço
Embora a humanidade esteja longe de se tornar uma espécie multiplanetária, avanços estão sendo feitos. O programa Artemis, liderado pela NASA, planeja enviar astronautas à Lua em 2026, enquanto a SpaceX projeta uma missão tripulada a Marte nos próximos anos. No entanto, o espaço traz desafios à saúde humana, como mutações no DNA devido à radiação cósmica, problemas de visão, perda muscular e enfraquecimento do sistema imunológico.
Para Wotring, questões como essas precisam ser priorizadas antes da reprodução. “Precisamos cuidar dos astronautas que enviamos agora”, alerta. Contudo, Wakayama acredita que a pesquisa será essencial à medida que passarmos mais tempo no espaço, especialmente devido ao risco de anomalias genéticas causadas por DNA danificado em espermatozoides e óvulos.
O futuro da reprodução no espaço
Wakayama pretende limitar os estudos a camundongos. O projeto de FIV já foi aceito pela agência espacial japonesa, e ele espera que o dispositivo necessário esteja pronto para ser enviado à ISS dentro de dois anos. “Nos filmes de ficção científica, as pessoas vivem em outros planetas e têm filhos, mas ainda não sabemos se isso é possível”, ressalta.
Os experimentos podem ajudar a esclarecer se humanos conseguem se reproduzir e desenvolver normalmente no ambiente hostil do espaço. “Se confirmarmos que isso é viável, será tranquilizador. Caso contrário, precisaremos encontrar soluções para superar esse desafio.”