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Quando surgiram as próteses?

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O corpo humano hoje possui muitas partes substituíveis, desde corações artificiais até pés mioelétricos. O que torna isso possível não é apenas a tecnologia avançada e os delicados procedimentos cirúrgicos, mas também uma ideia: a de que os seres humanos podem e devem alterar o corpo dos pacientes de maneiras extremamente complexas e invasivas. Mas de onde surgiu essa ideia?

Embora estudiosos frequentemente retratem a Guerra Civil Americana como um marco inicial para as técnicas de amputação e o design de próteses, uma mudança significativa nas práticas relacionadas à perda de membros começou muito antes, na Europa dos séculos XVI e XVII. Como historiador da medicina moderna, exploro como as atitudes ocidentais em relação às intervenções cirúrgicas e artesanais no corpo começaram a se transformar há cerca de 500 anos. Nesse período, os europeus passaram de uma hesitação em realizar amputações e poucas opções de próteses em 1500 para múltiplos métodos de amputação e mãos de ferro complexas para os mais ricos em 1700.

A amputação era vista como um último recurso devido ao alto risco de morte. No entanto, alguns europeus começaram a acreditar que poderiam usá-la, juntamente com membros artificiais, para remodelar o corpo. Essa ruptura com uma tradição milenar de cura não invasiva ainda influencia a biomedicina moderna, ao sugerir que cruzar as fronteiras físicas do corpo do paciente para alterá-lo drasticamente e incorporar tecnologia pode ser algo positivo. Um implante moderno de quadril seria impensável sem essa premissa.

No início da era moderna, os cirurgiões debatiam intensamente onde e como cortar o corpo para remover dedos, braços e pernas de maneiras que os cirurgiões medievais não consideravam. Isso ocorreu em parte porque eles enfrentaram dois novos desenvolvimentos no Renascimento: a disseminação da guerra com pólvora e a invenção da imprensa.

A cirurgia era um ofício aprendido por meio de aprendizado e anos de treinamento com diferentes mestres. Procedimentos como o tratamento de fraturas, drenagem de furúnculos e sutura de feridas eram comuns, enquanto operações maiores, como amputações, eram raras. O uso generalizado de armas de fogo e artilharia forçou os cirurgiões a realizar amputações imediatas devido aos ferimentos graves que esfacelavam membros e causavam infecções ou gangrena.

A imprensa permitiu que os cirurgiões compartilhassem suas técnicas além do campo de batalha. Os métodos descritos em seus tratados podem parecer brutais hoje, mas cada um tinha uma lógica. Por exemplo, amputar uma mão rapidamente com um martelo e um cinzel ou usar um ferro de cauterização para evitar hemorragias. Alguns cirurgiões passaram a defender métodos de amputação que consideravam a colocação de próteses, sinalizando uma mudança na visão do corpo: não mais algo a ser simplesmente preservado, mas algo que poderia ser moldado.

Enquanto os cirurgiões exploravam a intervenção cirúrgica, os amputados experimentavam a criação de membros artificiais. Dispositivos de madeira, como as pernas de pau, continuaram sendo comuns, mas colaborações criativas com artesãos levaram ao surgimento de uma nova tecnologia no final do século XV: a mão de ferro mecânica.

Fontes escritas revelam pouco sobre a maioria dos sobreviventes de amputações, mas artefatos mostram que a improvisação era essencial para que eles navegassem em seus ambientes. As próteses não eram “médicas” como hoje; cirurgiões não as projetavam ou ajustavam. Em vez disso, os amputados usavam seus próprios recursos para encomendá-las a artesãos.

As mãos de ferro eram criações improvisadas, com dedos móveis que podiam ser travados em diferentes posições. Detalhes realistas, como unhas gravadas e pintura tonalizada, eram comuns. Embora fossem impressionantes, sua complexidade muitas vezes superava a utilidade prática, semelhante à “corrida das mãos biônicas” na indústria de próteses atual. Esses dispositivos eram caros e, portanto, acessíveis principalmente aos ricos.

As mãos de ferro foram importantes veículos de ideias. Elas levaram os cirurgiões a considerar a colocação de próteses durante as operações e criaram otimismo sobre o que poderia ser alcançado com membros artificiais. No entanto, estudiosos muitas vezes interpretaram mal esses dispositivos, associando-os principalmente a cavaleiros feridos, como o famoso Götz von Berlichingen. A realidade é que muitas mãos de ferro não pertenciam a guerreiros, mas a indivíduos que usavam a tecnologia para desafiar estereótipos negativos sobre amputados.

Antes que o corpo moderno de partes substituíveis pudesse existir, ele teve que ser reimaginado como algo que os humanos poderiam moldar. Essa transformação não foi obra apenas dos cirurgiões, mas também de amputados e artesãos que colaboraram para criar membros substitutos.

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