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quarta-feira, março 12, 2025
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Peraí, placebo também cura?

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Catarina Craveiro, uma técnica de pesquisa biomédica de Lisboa, sofria de dores nas costas devido à escoliose desde a infância, o que limitava a capacidade física dela e a tornava dependente de ibuprofeno para alívio. “Isso realmente interferia na minha vida”, diz ela. “Eu sentia muita dor. Queria fazer as mesmas coisas que meus amigos, mas não conseguia.” Em 2013, ela se inscreveu em um ensaio clínico, “esperando que tivessem algum medicamento mágico que eliminaria minha dor”, mas ficou desapontada e cética ao descobrir que o estudo analisaria os efeitos de um placebo medicamente inerte, que parece e é tomado como um remédio real, mas não contém ingredientes ativos. “Eu não acreditava que funcionaria, mas decidi tentar”, lembra. “Não poderia ser pior do que minha situação na época.”

Hoje, aos 33 anos, ela está livre da dor, é uma professora e competidora de kickboxing, mãe de dois filhos e convencida de que nada disso teria sido possível antes. Ela se tornou uma pessoa que acredita na eficácia do efeito placebo. “Nossa mente é algo poderosa, e no meu subconsciente eu queria tanto me sentir melhor que o simples ato mecânico de tomar uma pílula” — mesmo sabendo que era inerte — “fez o trabalho”, diz ela. “Não tenho dúvidas de que a vontade de me livrar da dor, combinada com o ato de tomar a pílula, eliminou minha dor.”

O “efeito placebo” é um fenômeno que ocorre quando a saúde física ou mental de uma pessoa melhora após receber um tratamento que, essencialmente, não tem benefícios terapêuticos claros. “O efeito placebo não é mágica, mas real”, diz Luana Colloca. “Anos atrás, isso parecia futurista. Agora faz parte da ciência.”

Historicamente, o efeito placebo era visto no contexto do engano — os pacientes não sabiam que estavam recebendo uma substância inerte, mas ainda assim melhoravam porque acreditavam que isso aconteceria. O bioeticista Arthur Caplan, por exemplo, lembra um dos primeiros casos que consultou décadas atrás, quando um médico pediu por um conselho sobre dar aspirina em dose baixa — essencialmente um placebo — a uma mulher saudável que sofria de exaustão. O médico temia que, se não fizesse nada, a mãe solteira de quatro filhos, que trabalhava como motorista de ônibus e faxineira, pudesse buscar anfetaminas, estimulantes potencialmente viciantes. Caplan aprovou a ideia, e, embora a desonestidade fosse questionável, o tratamento falso funcionou, restaurando a energia da mulher e aliviando a fadiga.

Hoje, os pesquisadores acreditam que o efeito placebo pode ocorrer mesmo quando os pacientes sabem que estão recebendo um placebo, como no caso de Craveiro, um processo conhecido como “uso aberto de placebo”. Por isso, especialistas defendem que os placebos sejam incluídos na prática médica convencional, mas com total transparência para os pacientes. “Você nunca diz a um paciente que vai funcionar”, diz o professor de medicina Ted Kaptchuk. “A honestidade é crítica. Deixamos claro: ‘Isso é um placebo, sem ingrediente ativo, como uma pílula de açúcar. Pode funcionar ou não. A melhora pode ser rápida ou gradual.’ É uma ideia maluca, mas temos evidências de que funciona em alguns casos.”

Pesquisas mostram que placebos podem aliviar várias condições moduladas pelo cérebro, como dor, ansiedade, depressão e fadiga. “Placebos não reduzem tumores ou colesterol. Não curam resfriados”, diz Kaptchuk. “Mas aliviam sintomas como dor crônica, fadiga relacionada ao câncer e dor da osteoartrite. Não eliminam a artrite, mas podem eliminar a dor”, que é controlada pelo cérebro.

Especialistas enfatizam, no entanto, que os placebos só parecem funcionar no contexto de uma relação de confiança e apoio entre paciente e médico. “É a empatia, atenção, apoio emocional, consideração e o toque humano entre paciente e médico”, diz Kaptchuk. “Você não pode simplesmente tomar um Tic Tac ou uma pílula de açúcar. Não funciona sem um médico.”

Cláudia Ferreira de Carvalho, a psicóloga clínica que conduziu o estudo que ajudou Craveiro, concorda. “O placebo de uso aberto é muito mais do que prescrever pílulas ou tratamentos inertes”, diz ela.

Embora os cientistas tenham identificado condições mais propensas a responder ao efeito placebo, ainda não conseguem explicar por que ele funciona em alguns pacientes e não em outros. “Essa é uma questão realmente importante”, diz Kaptchuk. “Não há um perfil consistente e confiável de quais pacientes respondem. A pesquisa está cheia de respostas contraditórias. Não é gênero, idade, gravidade da condição, e não há qualidades de personalidade que indiquem quem responderá ou não. É por isso que o placebo é tão misterioso e difícil.”

Pesquisadores acreditam que o tratamento com placebo pode ter um papel importante na prática médica. Uma maneira de introduzi-lo seria adicioná-lo à terapia atual do paciente — eles continuariam tomando os medicamentos regulares enquanto adicionam um placebo, um processo conhecido como “placebos de extensão de dose”. Isso poderia reduzir a dosagem dos medicamentos regulares ou até mesmo eliminá-los completamente, diminuindo os efeitos colaterais e o risco de dependência de opióides.

“O objetivo principal seria combinar o efeito real de um medicamento com eficácia comprovada com o efeito placebo produzido pelo cérebro quando o paciente espera que o medicamento funcione”, diz Grégory Scherrer. “Para isso, os clínicos precisam agir e entregar o tratamento de uma forma que maximize as expectativas. Isso poderia permitir que pacientes em terapia medicamentosa com efeitos colaterais, incluindo aqueles que tomam opióides potencialmente viciantes, tenham uma alternativa mais segura com os mesmos resultados positivos.”

Historicamente, os placebos foram usados como “controles” em estudos para testar novos medicamentos ou tratamentos quando não havia um tratamento padrão disponível. O objetivo é determinar a eficácia de uma nova terapia comparando-a a um placebo, com todos os participantes sem saber qual estavam recebendo. O efeito placebo entrava em ação se ambos os grupos melhorassem, o que poderia confundir os resultados.

Imagens cerebrais sugerem que o efeito placebo funciona ao estimular certas regiões do cérebro a secretar endorfinas — neurotransmissores que podem aliviar a dor, o estresse e melhorar o humor, diz Colloca. “Liberamos endorfinas quando esperamos nos sentir melhor, e essa mentalidade contribui para a percepção de redução da dor e outros sintomas, como ansiedade e fadiga”, diz ela. “A melhora dos sintomas está relacionada à ativação nas regiões do cérebro ligadas à cognição, incluindo expectativas.”

No entanto, os mecanismos de ação podem variar entre os indivíduos, “o que explica por que alguns pacientes se beneficiam e outros não”, acrescenta ela.

Para pacientes como Craveiro, no entanto, pouco importa como funciona — apenas que funciona. Com a dor dela agora eliminada, ela não precisa mais tomar ibuprofeno — ou um placebo. “Realmente funcionou”, diz ela. “Toda a experiência mudou minha vida.”

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