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A Vanguarda Paulistana

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Segue na íntegra o texto de Sérgio Viralobos, colunista do Frente Fria, sobre a Vanguarda Paulistana: Foi um dos mais efêmeros movimentos culturais brasileiros – ocorrido que foi entre 1979 e 1985, na cidade de São Paulo. Foi um verdadeiro divisor de águas na cena artística, marcando uma época de intensa experimentação, inovação e expressão criativa. Aqui em Curitiba fomos consideravelmente influenciados por artistas emergentes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Grupos Rumo e Premeditando o Breque. Eu, Rodrigo Barros, Luiz Ferreira e Renato Quege, que estávamos gestando a Contrabanda na época, não tirávamos da vitrola discos como “Clara Crocodilo”, de Arrigo e “Beleléu, Leléu, Eu”, de Itamar.

O rótulo do movimento foi criado por jornalistas e críticos musicais de SP, tanto por seu aspecto de vanguarda, quanto como referência a um dos locais onde os experimentalistas apresentavam suas obras: o Teatro Lira Paulistana, situado na rua Teodoro Sampaio, bairro de Pinheiros. Lembro que eu e o Rodrigo fomos a São Paulo uma vez só pra ver o show do Rumo, no Lira. A base era o LP “Rumo aos antigos”, que mais tarde inspiraria a criação da banda Maxixe Machine. Ouça a obra prima aqui.

Um dos pilares da Vanguarda foi a Música, que se tornou o veículo principal para a expressão artística do movimento. As figuras mais representativas foram Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção (com sua banda Isca de Polícia), além de cantoras de respeito tais como Suzana Salles, Tetê Espíndola, Eliete Negreiros, Vânia Bastos e Ná Ozzetti, cantores como Hermelino Neder e Passoca, e grupos como o Rumo, Premeditando o Breque, Patife Band e Língua de Trapo. Embora não tenham sido decisões articuladas, artistas do underground paulistano criaram microempresas e praticamente abriram suas próprias gravadoras. Dari Luzio, seguiu o pioneirismo do artista carioca Antonio Adolfo e seu LP independente ”Feito em Casa”, criando seu selo EKO Produções Artísticas e lançando o LP ”Bastardo”. Ao mesmo tempo Arrigo Barnabé bancava a produção do seu revolucionário LP inaugural, “Clara Crocodilo”, por falta de interesse das grandes gravadoras. A partir daí, “produções independentes” tornaram-se marca registrada dos “alternativos”. Na Vila Maria, os Pracianos, artistas que se reuniam na Praça Santo Eduardo, a famosa Praça Maldita, a partir da iniciativa independente de Dari Luzio, partem para suas próprias produções: Pedro Lua lança o Compacto “Duplo Regae Livre”, pelo selo EKO; Lé Dantas e Cordeiro criam o selo Raízes e lançam o LP “Brincadeira Manhã” e Paulo Barroso lança o LP “Vozes da Cidade”.

Embora em geral tenha sido bem recebida pela crítica especializada, a Vanguarda Paulistana jamais foi o que se poderia chamar de sucesso de público. Restrita aos nichos alternativos, seus produtos eram consumidos por universitários e “descolados” em geral da cena local. Presumivelmente, um dos nomes do período ainda lembrados pelo grande público é o da cantora Tetê Espíndola, a qual depois de suas apresentações com Arrigo Barnabé no início dos anos 1980, seguiu carreira solo e apresentou-se seguidas vezes em programas de auditório. Porém, seu auge se deu em 1985 quando venceu o Festival dos Festivais com a canção “Escrito nas Estrelas”, de Carlos Rennó e Arnaldo Black. O Língua de Trapo também se apresentou e foi finalista nesse mesmo festival com a canção “Os Metaleiros Também Amam”, a canção mais vaiada pelo público, mas, de longe, a mais engraçada.

Ignorado pelo rádio e pela televisão, o movimento tem reflexos até hoje na cultura brasileira. Grandes compositores, como Carlos Careqa, assumem terem bebido na fonte da Vanguarda Paulistana: o seu maior parceiro musical é nada menos que Mário Manga, genial componente do Premeditando o Breque. Apesar de trazer o título de vanguarda no nome, os próprios artistas não se viam como tal. O termo veio de fora para dentro. Como alguns dos principais artistas eram também alunos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e, na época, estudavam música de vanguarda no terreno erudito, não demorou para que a imprensa os batizasse de Vanguarda Paulistana.

“Essa ponte foi feita imediatamente, eles nos rotularam assim. Não gostávamos muito da denominação porque já estava desgastada. Ao mesmo tempo, a gente assumia que estava propondo uma nova maneira de compor. As músicas eram diferentes, estranhas, esquisitas e engraçadas. Não era algo que se tocava nas rádios” explica Luiz Tatit, cantor, compositor e líder do Grupo Rumo.

Arrigo Barnabé conta que a intenção era se tornar popular. No entanto, os obstáculos impostos pelo mercado na época acabaram por restringir o alcance daquela nova música. “De certa forma, entramos em um mainstream cult, algo mais reservado, mas não no âmbito da música popular brasileira. Fizemos um trabalho que repercutiu bastante, influenciou muita gente, mas sempre existiu uma oposição muito forte da tevê e das rádios.”

A música dodecafônica de Arrigo era a mais agressiva da Vanguarda aos ouvidos menos tolerantes. Influenciado pela música erudita e aplicando novos conceitos a elementos populares, o artista experimentava elementos da dissonância rítmica e intervenções vocais, culminando em obras como “Diversões eletrônicas” e “Acapulco Drive-in”. No entanto, foi logo reconhecido como grande por artistas da Tropicália, o último movimento relevante da música brasileira.

Em frente à Praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros, estava o espaço que viria a se tonar a sede cultural da cena artística que tomava forma. “O Lira não era balada, era um espaço onde o foco principal era aquilo que estava acontecendo no palco. Era o artista, não outras coisas. As pessoas não ficavam conversando, não tinha garçom”, conta Wilson Souto Jr., um dos sócios-proprietários do Lira Paulistana à época.

Ele, que atualmente prefere ser chamado de agitador ou animador cultural, lembra que, quando músico, sentia a necessidade de um local onde novas propostas pudessem se manifestar. Surgia aquele que seria o denominador comum da Vanguarda Paulistana. “O cenário era de pós-ditadura. As pessoas buscavam um espaço onde se sentiriam livres para mostrar o próprio trabalho. O bacana foi que os jornais aderiram às tentativas de linguagens novas. A participação das pessoas também fez com que o espaço tivesse essa aura artística bastante grande. Havia lançamento de discos, de livros, exposições de quadros… Tudo isso num galpão de 450 metros quadrados.” Curiosidade: Arrigo nunca tocou no Lira Paulistana – sua big band não cabia no pequeno palco do local. Mais tarde, o Lira se tornaria um selo independente, com lançamento de diversos discos, inclusive o clássico “Beleléu, Leléu, Eu”, de Itamar Assumpção e Isca de Polícia.

A artista Anelis Assumpção, filha de Itamar, lembra que o pai nunca ambicionou fazer uma música de vanguarda. “Ele nunca disse: agora sou vanguardista, vou fazer uma música assim ou assado. Ele sempre continuou fazendo o que ele fazia, da forma como achava que tinha que acontecer. Eu ainda vejo a dimensão do movimento da Vanguarda acontecendo depois. Agora, embora ainda seja pouco consumido e valorizado, ele está sendo dimensionado.” Para Wilson Souto Jr, “Itamar Assunção é uma descoberta para muita gente no Brasil inteiro. As pessoas até têm referência, mas não têm o conhecimento mais profundo da proposta artística dele, do Rumo. Na verdade, isso não atingiu o grande público.” O produtor afirma que ainda existem pessoas à procura das obras de Itamar nos catálogos da gravadora. “Até hoje vende. Mantenho todos os discos aqui, é uma referência extremamente moderna”, afirma. Segundo a cantora brasiliense Gaivota Naves, que conta ter sido influenciada pela Vanguarda, “Itamar Assumpção é o cara mais injustiçado da música brasileira. Ele trouxe poesia para a música, foi genial. A maior característica da Vanguarda foi essa busca por uma linguagem múltipla.” As parcerias que Itamar compôs com os curitibanos Paulo Leminski e Alice Ruiz foram fundamentais para elevar o nível poético de suas músicas. A poesia tornou-se uma ferramenta poderosa para questionar o status quo e provocar reflexões sobre a sociedade da época.

A recusa de mídias como rádio e televisão, o surgimento de outros espaços físicos que fizeram frente ao Lira Paulistana, acabaram por lançar a Vanguarda Paulistana e seus integrantes à margem do imaginário popular. Aquilo que era tido por movimento foi tomando outras direções. Apesar de nunca ter, de fato, sido uma música das massas e tenha tido uma vida bem curta, seu impacto foi duradouro. O movimento abriu caminho para uma cena cultural mais diversificada e inclusiva em São Paulo, influenciando gerações subsequentes de artistas. Seu legado ressoa não apenas na música, poesia, teatro e artes visuais, mas também na essência criativa da cidade. A busca por autenticidade, a experimentação e a quebra de barreiras artísticas introduzidas por esse movimento continuam a inspirar e moldar a cultura brasileira até os dias atuais.

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