Cientistas na China desenvolveram e testaram um novo tipo de usina de energia de fissão nuclear que pode se manter resfriada mesmo durante uma queda de energia, evitando assim o evento catastrófico conhecido como derretimento nuclear. Este design não pode ser adaptado a usinas nucleares existentes (estamos de olho em vocês, usinas de Angra dos Reis), pois utiliza uma nova tecnologia chamada reator de leito de esferas.
Reatores nucleares de fissão tradicionais usam água, geralmente proveniente de um rio próximo, para resfriar o combustível nuclear. Esse processo produz vapor, o que explica as grandes torres de resfriamento com plumas de vapor. No entanto, se a usina perder energia e não conseguir ativar os sistemas de backup, o combustível nuclear pode superaquecer, evaporando a água e, eventualmente, causando o derretimento do combustível através de sua contenção, levando a um colapso. Isso resulta na liberação de radiação mortal e poluição química.
Para enfrentar esses riscos, cientistas têm trabalhado em projetos de usinas nucleares mais seguras há décadas. Os desastres infames de Chernobyl, Fukushima e Three Mile Island deixaram um impacto duradouro na percepção pública, e à medida que a indústria de energia olha para a energia nuclear como uma opção mais limpa durante a transição para energias mais verdes, a necessidade de designs mais seguros é crítica.
É aqui que entram os reatores de leito de esferas, utilizando um tipo especial de combustível chamado TRISO (tristructural isotropic). Essas partículas de combustível são revestidas com camadas de cerâmica, tornando-as altamente resistentes ao calor. A equipe de pesquisa chinesa descobriu que as partículas TRISO podem conter os produtos da fissão nuclear mesmo em temperaturas de até 1620°C, que é inferior às temperaturas atingidas durante os colapsos em reatores tradicionais. O calor desse combustível de densidade mais baixa pode se dissipar naturalmente por condução, radiação e convecção natural.
O reator de leito de esferas operacional da China, conhecido como HTR-PM, está localizado na Usina Nuclear de Shidao Bay, na província de Shandong. Desde 2022, o reator passou por dois testes para verificar sua capacidade de lidar com a perda total de energia, e em ambos os casos, ele funcionou como projetado. Em vez de superaquecer, o combustível do reator atingiu uma temperatura muito mais baixa devido ao seu design em camadas, com o gás hélio circulando naturalmente no interior para ajudar a dissipar o calor. O reator atingiu uma temperatura máxima de 870°C após 3,5 horas sem energia, um contraste marcante com os 2800°C atingidos durante o colapso de Fukushima. A 870°C, os materiais do reator permanecem intactos e seguros.
Este reator não é o único projeto movido a TRISO em desenvolvimento. A Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e a Ultra Safe Nuclear Corporation, na Itália, estão colaborando em um microrreator movido a TRISO. Enquanto este projeto produz menos energia (até 20 MW), o reator da China gera 200 MW, tornando-o uma pequena, mas importante, adição ao cenário da energia nuclear.
O conceito de reatores TRISO tem suas raízes em submarinos nucleares, que exigem reatores que possam ajustar rapidamente os níveis de energia. O design cuidadoso desses reatores, com foco em materiais mais seguros e menor densidade de potência, representa um avanço significativo na tecnologia nuclear, oferecendo um caminho promissor para uma energia nuclear mais segura e flexível no futuro.