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Cientista explica como a mente cria e constroe a consciência

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Por quase toda a sua vida, o Dr. Stuart Hameroff esteve fascinado pela intrigante questão da consciência. No entanto, em vez de se dedicar à neurologia ou a outra área tradicionalmente associada ao funcionamento interno do cérebro, a curiosidade dele foi despertada pelo estudo dos anestésicos – uma classe de drogas conhecida justamente por induzir o oposto da consciência.

“Pensei em estudar neurologia, psicologia ou neurocirurgia, mas nenhuma dessas áreas parecia lidar diretamente com o problema da consciência”, afirma Hameroff, agora professor aposentado de anestesiologia da Universidade do Arizona. Ele se lembra de um momento revelador ao chegar à universidade, quando conheceu o chefe do departamento de anestesia. “Ele me disse: ‘Se você quer entender a consciência, descubra como a anestesia funciona, porque nós não temos ideia’.”

Durante suas pesquisas, Hameroff percebeu que a inconsciência induzida pelos anestésicos ocorria devido a algum efeito sobre os microtúbulos e começou a se perguntar se essas estruturas poderiam ter um papel fundamental na formação da consciência. Em vez de considerar os neurônios como as unidades básicas da consciência, ele aprofundou sua investigação nos bilhões de tubulinas individuais que compõem os microtúbulos. Esse conceito logo se tornou sua obsessão.

Os microtúbulos, encontrados no citoesqueleto celular, ajudam a manter a forma das células e a coordenar a mitose. São formados por proteínas de tubulina e estão presentes em células de todo o corpo. Hameroff os descreve como uma espécie de “espiga de milho oca”, em que os grãos representam as proteínas alfa e beta-tubulina. Ele teve seu primeiro contato com essas estruturas na faculdade de medicina, nos anos 1970, ao estudar como os microtúbulos duplicam os cromossomos durante a divisão celular. Se esse processo falha, surgem células cancerosas ou outras formas de mau desenvolvimento.

Embora soubesse que os anestésicos afetavam os microtúbulos, Hameroff ainda não conseguia explicar como essas estruturas poderiam gerar consciência. “Como todo esse processamento de informações poderia explicar a consciência? Como poderia justificar sentimentos como inveja, ganância, dor, amor, alegria, emoção ou até a percepção da cor verde?”, questionava-se.

Foi então que teve um encontro decisivo com um livro influente do laureado com o Prêmio Nobel, Sir Roger Penrose.

Em A Mente Nova do Rei (1989), Penrose argumentava que a consciência era de natureza quântica, não meramente computacional, como a maioria das teorias sugeria até então. No entanto, ele não conseguia identificar um mecanismo biológico capaz de colapsar a função de onda quântica – o momento em que um estado de superposição quântica se reduz a uma única realidade, originando experiências conscientes.

“É isso mesmo, Roger. São os microtúbulos!”, lembrou-se Hameroff ao ler o livro. Pouco depois, ele entrou em contato com Penrose e, juntos, desenvolveram uma das ideias mais fascinantes – e controversas – sobre a consciência: a teoria da Redução Objetiva Orquestrada (Orch OR). Segundo essa teoria, os microtúbulos nos neurônios seriam responsáveis pelo colapso da função de onda quântica, um processo chamado redução objetiva, dando origem à consciência.

Desde sua formulação nos anos 1990, a teoria enfrentou duras críticas. Ainda assim, estudos recentes começaram a fornecer indícios de que processos quânticos podem ocorrer no cérebro. Embora isso não comprove diretamente a Orch OR, tem levado alguns cientistas a reconsiderar a hipótese de que a consciência possa, de fato, ser um fenômeno quântico. Se essa ideia for confirmada, representará um grande avanço na compreensão da mente humana – e indicará que a inteligência artificial puramente algorítmica nunca poderá ser realmente consciente.

Em 1989, Roger Penrose já era um nome consagrado na matemática e na física. Ele havia revolucionado o estudo dos buracos negros – trabalho que lhe renderia o Nobel de Física em 2020 – e descoberto os tilings de Penrose, padrões matemáticos essenciais para o estudo dos quase-cristais. Com a publicação de A Mente nova do Rei, ele se aventurou no campo da consciência humana.

No livro, Penrose utilizou o teorema da incompletude de Kurt Gödel para argumentar que, como a mente humana é capaz de transcender sistemas existentes e criar conhecimentos inéditos, a consciência não poderia ser apenas algorítmica. Ele defendia que a consciência era fundamentalmente quântica e, ao longo de centenas de páginas, propôs que o colapso da função de onda geraria momentos de consciência. No entanto, assim como Hameroff, ele reconhecia que algumas peças essenciais desse quebra-cabeça ainda estavam faltando:

“Acredito que é através da ciência e da matemática que avanços profundos na compreensão da mente virão à luz. Existe um dilema aparente aqui, mas tentei mostrar que há uma saída genuína.”

Quando Hameroff leu o livro em 1991, teve a convicção de que sabia o que Penrose estava procurando.

Ele escreveu uma carta ao físico, anexando algumas de suas pesquisas, e propôs um encontro durante um congresso em Oxford. Penrose aceitou. Assim, os dois começaram a explorar juntos o problema da consciência não-algorítmica. Enquanto desenvolvia a teoria da consciência quântica, Hameroff também reuniu cientistas de diferentes áreas – filosofia, neurociência, ciência cognitiva, matemática e física – para discutir o tema em uma conferência bianual.

Desde o início, o evento rompeu paradigmas. Em 1994, o filósofo David Chalmers formulou a distinção entre os problemas “fáceis” e o “problema difícil” da consciência, argumentando que a neurociência podia explicar os mecanismos cerebrais, mas não por que experimentamos a subjetividade. Dois anos depois, Penrose e Hameroff apresentaram a própria resposta a essa questão.

A recepção foi brutal.

A teoria da Redução Objetiva Orquestrada foi publicada em 1996. O artigo explicava como os microtúbulos orquestravam a consciência por meio da redução objetiva, relacionando o colapso da função de onda à gravidade quântica.

Ao longo dos anos, as críticas não cessaram. O físico Stephen Hawking chegou a comparar a teoria a um erro lógico de Sherlock Holmes, afirmando que Penrose parecia acreditar que “se a consciência é um mistério e a gravidade quântica é outro mistério, então os dois devem estar conectados”. Outro ponto de contestação era a temperatura do cérebro: muitos cientistas argumentavam que seu ambiente quente e ruidoso não permitia interações quânticas, ao contrário das condições frias e controladas exigidas por computadores quânticos.

Hameroff, no entanto, rejeita essa crítica. “Você sabe há quanto tempo ouço esse argumento do ‘cérebro quente e barulhento’?”, diz ele. “Acho que nossa teoria se sustenta na física, na biologia e na anestesiologia.”

Em uma entrevista de 2022, Penrose reconheceu que a versão original da teoria tinha falhas, mas continua convencido de que a consciência ultrapassa os limites da computação e talvez até da mecânica quântica atual. “As pessoas costumavam dizer que isso era uma loucura”, afirmou. “Mas acho que agora estão levando a ideia a sério.”

Nos últimos anos, pesquisas sobre biologia quântica têm revelado fenômenos quânticos em sistemas vivos, como na fotossíntese. Em 2023, cientistas da Universidade Howard identificaram efeitos quânticos nos microtúbulos. Embora esses achados não provem a Orch OR, indicam que a mecânica quântica pode desempenhar um papel importante no funcionamento cerebral.

O avanço da inteligência artificial também trouxe novas implicações para a teoria. Hameroff acredita que o crescente financiamento para pesquisas sobre consciência na IA tem reforçado a visão de que a mente humana é puramente computacional. “Muita gente desistiu do ‘problema difícil’ e se vendeu à IA”, afirma. “Mas esses modelos não serão conscientes.”

Apesar das críticas, Hameroff segue defendendo a teoria incansavelmente – em artigos, conferências e debates online. E, ao que tudo indica, ele não pretende parar tão cedo.

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