A descoberta em 2010 de que os primeiros humanos e os Neandertais cruzaram-se foi um grande marco científico, revelando um legado genético que influencia ritmos circadianos, a função do sistema imunológico e a sensibilidade à dor em pessoas modernas.
Entretanto, os cientistas têm encontrado dificuldades em entender como a troca genética na direção oposta — ou seja, como o cruzamento entre esses grupos pode ter moldado os Neandertais, que se extinguiram há cerca de 40.000 anos. Com a ajuda de novas técnicas, um novo estudo está começando a pintar um quadro mais claro.
A análise mostrou que os dois grupos trocaram DNA em múltiplas ocasiões ao longo dos últimos 250.000 anos, lançando luz sobre como os Neandertais desapareceram e potencialmente reescrevendo a história de como e quando nossos ancestrais Homo sapiens saíram da África.
Até hoje, a maioria dos dados genéticos sugere que os humanos modernos evoluíram na África há cerca de 250.000 anos, permaneceram no continente por 200.000 anos, e então, há cerca de 50.000 anos, decidiram se dispersar para outras partes do mundo.
No entanto, a genética é basicamente cega para qualquer coisa que não deixe uma herança nas populações atuais. O que é interessante sobre esse estudo é que ele oferece novos insights genéticos sobre essas dispersões fora da África que antes não eram detectáveis.
Os achados sugerem que a história humana primitiva foi complexa, e os humanos modernos provavelmente interagiram com os Neandertais — e outros tipos de humanos arcaicos, incluindo os enigmáticos Denisovanos — muito mais frequentemente do que se pensava anteriormente, desde nossa emergência como espécie entre 250.000 e 300.000 anos atrás.
Múltiplos episódios de acasalamento
Comparando sequências de DNA em bancos de dados, os cientistas podem reconstruir as relações entre diferentes populações ou espécies. Como as mudanças genéticas ocorrem a uma taxa constante ao longo das gerações, os geneticistas podem calcular o tempo decorrido desde que dois grupos trocaram DNA, como se fosse um relógio molecular.
O estudo descobriu que os humanos saíram da África e encontraram os Neandertais em três ondas: uma há cerca de 200.000 a 250.000 anos, pouco depois dos primeiros fósseis de Homo sapiens aparecerem na África; outra há 100.000 anos; e a última há cerca de 50.000 a 60.000 anos.
O episódio mais recente é amplamente reconhecido e foi identificado pela primeira vez em 2010, quando o primeiro genoma de Neandertal foi sequenciado pelo geneticista ganhador do Nobel, Svante Pääbo. No entanto, a nova pesquisa mostrou que as duas primeiras ondas diferiram significativamente da terceira, uma migração ampla que levou os humanos modernos a habitarem todas as partes do mundo.
Os cientistas descobriram que a porcentagem de DNA de Homo sapiens no genoma Neandertal pode ter sido de até 10% há mais de 200.000 anos, diminuindo ao longo do tempo; em média, era de 2,5% a 3,7%.
Um estudo semelhante publicado no ano passado identificou traços genéticos de um encontro entre os dois grupos há cerca de 250.000 anos, mas a contribuição do DNA de Homo sapiens para os Neandertais há cerca de 100.000 anos é uma descoberta nova.
Investigação genética
Durante as duas primeiras ondas de cruzamento, a população Neandertal absorveu genes humanos e os descendentes permaneceram dentro dos grupos Neandertais. Esses primeiros episódios de acasalamento, resultado de pequenos grupos de Homo sapiens pioneiros migrando — mas sem estabelecer uma presença forte — fora da África, deixaram poucos vestígios no pool genético das populações humanas modernas, mas tiveram um grande impacto no genoma Neandertal.
A explicação mais simples é que isso reflete mudanças nos tamanhos populacionais ao longo do tempo. Inicialmente, os humanos modernos saíam da África de forma gradual, e as populações Neandertais eram grandes o suficiente para absorver essas primeiras dispersões de humanos e seus genes na população Neandertal.
Contudo, quando os Homo sapiens deixaram a África há cerca de 60.000 anos em uma migração mais duradoura, os descendentes resultantes dos encontros entre Homo sapiens e Neandertais cresceram dentro das populações humanas modernas, e sua assinatura genética permaneceu no pool genético humano, influenciando nossas vidas hoje.
No estudo, a equipe usou técnicas de aprendizado de máquina para decodificar e sequenciar genomas de restos de três Neandertais, datados de 50.000 a 80.000 anos, encontrados em três locais diferentes: Vindija, na Croácia, e nas cavernas de Denisova e Chagyrskaya, nas Montanhas Altai. Os pesquisadores então compararam esses dados com os genomas de 2.000 humanos atuais.
O mistério do desaparecimento dos Neandertais
Há um punhado de fósseis de Homo sapiens que podem refletir as primeiras e menos bem-sucedidas jornadas da espécie para fora da África, para o Oriente Médio e Europa. Esses fósseis incluem um Homo sapiens encontrado na Caverna Apidima, no sul da Grécia, datado de 210.000 anos atrás, e restos encontrados em sítios israelenses Skhūl e Qafzeh.
As dinâmicas populacionais identificadas nesta pesquisa poderiam ser uma das principais razões pelas quais os Neandertais desapareceram há 40.000 anos. A análise sugere que o tamanho da população Neandertal na época era 20% menor do que se pensava anteriormente.
As populações humanas eram maiores e, como ondas batendo na praia, eventualmente desgastaram os Neandertais, com o pool genético Neandertal provavelmente sendo absorvido pela população humana na última onda de cruzamento.
O último estágio de cruzamento pode ter contribuído para a extinção dos Neandertais, com a população Neandertal ficando ainda menor e menos diversa à medida que o DNA Neandertal entrava no pool genético humano.