Fronteira temporal
O fluxo do tempo do passado para o futuro é uma característica central de como experienciamos o mundo. Mas precisamente como esse fenômeno, conhecido como seta do tempo, emerge das interações microscópicas entre partículas e células é um mistério.
No reino microscópico, governado pela mecânica quântica, tudo é muito fluido, e a seta do tempo pode ser vista como um conceito relativo – diversos experimentos têm demonstrado essa reversão do fluxo temporal.
Na escala humana, contudo, uma xícara quebrada nunca irá se desquebrar e uma chuva nunca retornará ao seu estado de nuvem.
Fundamentalmente, a seta do tempo – os físicos preferem o termo irreversibilidade local – surge da segunda lei da termodinâmica: O princípio de que arranjos microscópicos de sistemas físicos tendem a aumentar em aleatoriedade, passando da ordem para a desordem. Quanto mais desordenado um sistema se torna, mais difícil é para ele encontrar seu caminho de volta a um estado ordenado, e mais forte é a flecha do tempo.
Em suma, a tendência do Universo para a desordem é a razão fundamental pela qual experimentamos o tempo fluindo em uma direção.
A questão principal que se coloca é: Onde está a fronteira entre um tempo que não tem preferência de rumo e um tempo que nunca flui para o passado?
“As duas perguntas que nossa equipe tinha eram, se olharmos para um sistema em particular, seríamos capazes de quantificar a força de sua flecha do tempo, e seríamos capazes de descobrir como ela emerge da microescala, onde células e neurônios interagem, para todo o sistema?” detalha Christopher Lynn, da Universidade Cidade de Nova Iorque. “Nossas descobertas fornecem o primeiro passo para entender como a flecha do tempo que experimentamos na vida cotidiana emerge desses detalhes mais microscópicos.”
Decomposição da seta do tempo
Para tentar a responder a essas perguntas, os pesquisadores começaram explorando como a seta do tempo pode ser decomposta observando partes específicas de um sistema e as interações entre elas. Como objetos de observação, eles escolheram neurônios operando dentro da retina de uma salamandra.
Olhando para um único momento, eles demonstraram que a flecha do tempo pode ser decomposta em diferentes partes: Aquelas produzidas por peças trabalhando individualmente, outras quando as peças começam a trabalhar em pares, outras ainda em trigêmeos e em configurações mais complicadas.
“Nós mostramos que a evidência para uma seta local do tempo, que é equivalente à produção de entropia em sistemas termodinâmicos, pode ser decomposta. Em um sistema com muitos graus de liberdade, existe um termo que surge da dinâmica irreversível das variáveis individuais, e [a seguir] uma série de termos não-negativos contribuídos por correlações entre pares, trigêmeos e combinações de ordem superior de variáveis,” detalhou a equipe.
De posse dessa maneira inusitada de decompor a seta do tempo, a equipe analisou a resposta dos neurônios na retina da salamandra a diferentes filmes: Em um filme, um único objeto se movia aleatoriamente pela tela, enquanto outro retratava toda a complexidade das cenas encontradas na natureza.
Em ambos os filmes, a seta do tempo emergiu de interações simples entre pares de neurônios, mas não de grupos grandes e complicados.
“Nós ilustramos essa decomposição em modelos simples de computações lógicas cheias de ruído e, em seguida, a aplicamos à análise de padrões de atividade neural na retina conforme ela respondia a cenas visuais dinâmicas complexas. Nós descobrimos que a atividade neural quebra o equilíbrio detalhado mesmo quando as entradas visuais não o fazem, e que essa irreversibilidade surge principalmente de interações entre pares de neurônios,” escreveram os pesquisadores.
Em termos mais simples, não há uma seta inexorável do tempo quando se analisa um neurônio individual – assim como acontece nas partículas individuais usadas nos experimentos quânticos. Mas a seta surge, tornando o tempo irreversível, tão logo duas “partículas” passam a atuar em conjunto.
Neurociência quântica
Surpreendentemente, a equipe também observou que a retina apresentava uma seta do tempo mais forte ao observar um movimento aleatório do que uma cena natural. Isso levanta novas questões sobre como nossa percepção interna da flecha do tempo se alinha com o mundo externo.
“Estes resultados podem ser de particular interesse para pesquisadores de neurociência,” disse Lynn. “Eles podem, por exemplo, levar a respostas sobre se a seta do tempo funciona de maneira diferente em cérebros neuroatípicos.”
- No fluxo contínuo do tempo não há lugar para o presente