Por décadas, formações como canais de escoamento massivos, vales fluviais antigos, deltas e leitos de lagos apontaram para um passado aquático em Marte, já que essas estruturas se assemelham às moldadas pela água na Terra. Embora essas características sugiram fortemente a presença de água líquida, existem explicações alternativas que desafiam essa teoria.
Uma dessas possibilidades é o dióxido de carbono líquido. Sob a densa atmosfera de Marte primitivo, o dióxido de carbono poderia ter se liquefeito e fluído pela superfície do planeta, esculpindo-a de maneiras semelhantes à água. Um estudo recente sugere que nossa extensa compreensão de processos baseados em água na Terra, combinada ao conhecimento limitado sobre sistemas de dióxido de carbono líquido, pode ter nos levado a descartar prematuramente esse cenário alternativo, que pode ter influenciado o desenvolvimento do planeta.
Michael Hecht, investigador principal do instrumento MOXIE no rover Perseverance da NASA, comentou em uma entrevista: “É difícil dizer o quão provável é que essa especulação sobre o planeta Marte em tempos primitivos seja verdadeira. O que podemos dizer, e estamos dizendo, é que a probabilidade é alta o suficiente para que essa possibilidade não deva ser ignorada.”
Os pesquisadores citam experimentos anteriores de estudos sobre sequestro de carbono, que analisaram como o dióxido de carbono interage com minerais na presença de salmoura e dióxido de carbono supercrítico ou líquido — uma fase que apresenta propriedades de gás e líquido em condições específicas de temperatura e pressão. Esses experimentos revelaram processos extensivos de carbonatação, nos quais o dióxido de carbono se incorpora em minerais como carbonatos, em condições relevantes ao Marte primitivo. Segundo o estudo, os produtos de alteração, como carbonatos, filossilicatos e possivelmente sulfatos, são consistentes com os minerais encontrados atualmente em Marte.
A mineralogia atual e as formações da superfície podem ter se originado a partir do derretimento de dióxido de carbono líquido estável sob geleiras de dióxido de carbono ou de reservatórios subterrâneos. Os pesquisadores propõem abandonar a ideia de um Marte singularmente quente e úmido, concentrando-se em uma variedade de processos breves, instáveis e subterrâneos que moldaram o planeta.
Essa perspectiva sugere a possibilidade de uma influência combinada de água líquida e dióxido de carbono líquido na formação da superfície de Marte. Indica que a interação entre essas duas substâncias, em vez de uma escolha binária entre elas, pode ser a chave para entender a história geológica do planeta. Explorar o passado de Marte exige superar suposições centradas na Terra e abraçar uma gama mais ampla de possibilidades.
