Matéria escura não pode ser muito pesada, ou pode comprometer o modelo do universo mais aceito entre os cientistas.
Há uma grande quantidade de evidências de que algo estranho acontece no cosmos. As estrelas orbitam suas galáxias rápido demais. As galáxias se movem dentro dos aglomerados em velocidades inesperadas. Estruturas cósmicas crescem e evoluem mais rápido do que o previsto. Se contarmos apenas a matéria visível, simplesmente não há gravidade suficiente para explicar todos esses fenômenos.
A maioria dos cosmologistas acredita que a solução para esse mistério está na matéria escura — uma forma hipotética de matéria que possui grande massa, é eletricamente neutra e interage muito pouco, ou quase nunca, com a matéria comum. Essa matéria escura representa a maior parte da massa do universo, superando em muito a quantidade de matéria luminosa.
O problema é que sua verdadeira natureza permanece desconhecida. Experimentos projetados para detectar colisões raras com matéria comum não conseguiram encontrar nenhuma evidência direta de sua existência. No entanto, esses experimentos focaram em uma faixa de massa específica: entre 10 e 1.000 gigaelétron-volts (GeV), o que equivale a 1 bilhão de elétron-volts. Essa faixa inclui algumas das partículas mais pesadas conhecidas, como o bóson W e o quark top. Por décadas, os teóricos favoreceram essa faixa de massa porque várias extensões do Modelo Padrão da física de partículas previam partículas com essas características.
Mas, como ainda não encontramos nada, os cientistas começaram a se perguntar se a matéria escura pode ser mais leve ou mais pesada do que imaginávamos. No entanto, uma matéria escura muito pesada enfrentaria sérios desafios, segundo um novo estudo publicado no repositório arXiv.
O limite imposto pelo bóson de Higgs
Sabe-se que a matéria escura interage com a matéria comum, mesmo que de forma extremamente rara. No início do universo, quando o cosmos era muito mais quente e denso, essas interações eram mais frequentes. Com a expansão e o resfriamento do universo, essas interações foram se tornando cada vez mais escassas, até que a matéria escura ficou “congelada”, passando a existir silenciosamente em segundo plano.
Entre os inúmeros modelos de matéria escura propostos, muitos sugerem que essa interação ocorre através do bóson de Higgs — uma partícula fundamental que interage com quase todas as outras partículas e, por meio dessas interações, confere massa a elas.
Sabemos que o Higgs tem uma massa de aproximadamente 125 GeV. Os pesquisadores descobriram que essa característica impõe um limite superior fundamental à massa da matéria escura na maioria dos modelos.
Isso ocorre porque todas as interações físicas são uma via de mão dupla. O Higgs interage tanto com a matéria escura quanto com a matéria comum, mediando trocas entre elas. Mas essa relação também afeta o próprio Higgs, causando pequenas modificações na massa.
No caso das partículas do Modelo Padrão, conseguimos calcular essas correções, e foi justamente assim que os teóricos previram a massa do bóson de Higgs antes de sua detecção.
A nova pesquisa mostrou que, se a partícula da matéria escura tiver uma massa superior a alguns milhares de GeV, sua influência sobre o bóson de Higgs se tornaria extremamente relevante, alterando muito a massa dele. Como o Higgs é central para diversas interações fundamentais da física de partículas, essa mudança essencialmente desestabilizaria o Modelo Padrão, comprometendo toda a estrutura da física conhecida.
Alternativas para a matéria escura
Há maneiras de contornar essa limitação. A matéria escura poderia não interagir com as partículas comuns de forma alguma ou poderia interagir por meio de mecanismos exóticos que não envolvem o Higgs. No entanto, esses modelos são raros e exigem ajustes finos e hipóteses adicionais.
Outra possibilidade é que a matéria escura seja mais leve do que se imaginava. Se descartarmos as opções de matéria escura muito massiva, as investigações poderão se concentrar na busca por partículas mais leves. Um exemplo disso é o recente aumento do interesse pelos áxions, partículas ultraleves previstas em alguns modelos da física de partículas e que poderiam ser boas candidatas à matéria escura.
No campo experimental, caso essa restrição se confirme como um limite fundamental para a massa das partículas de matéria escura, será possível refinar e redesenhar os experimentos, direcionando-os para a detecção de partículas de baixa massa em vez de partículas massivas. Isso pode abrir um novo caminho na busca pela compreensão dessa misteriosa componente do universo.