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quinta-feira, novembro 21, 2024
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Movimento Neomarginal

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Por Sérgio Viralobos da Coluna Frente Fria

Dando uma lida nos meus compêndios escolares, relembro que a Poesia Marginal foi um movimento sociocultural que atingiu outras artes, como a música, o cinema, o teatro, as artes plásticas e, sobretudo, a literatura como um todo. Esse movimento surgiu na década de 70 no Brasil e influenciou diretamente na produção cultural do país.

Paulo Leminski, um dos grandes representantes dessa geração, define o termo marginal:

Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.
Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.

Esse movimento absorveu o grito silenciado pela Ditadura Militar por meio da união de diversos artistas, agitadores culturais e educadores. Assim, ele permitiu uma nova forma de divulgação da arte e da cultura brasileira, reprimida pelo sistema totalitário que vigorava no país.

Inspirado nos movimentos de contracultura, a denominação “Geração Mimeógrafo” remete justamente à sua principal característica. Ou seja, a substituição dos meios tradicionais de circulação de obras para os meios alternativos de divulgação. Foi assim que os artistas envolvidos sentiram a necessidade de se expressarem e, sobretudo, divulgarem suas ideias. A partir desse movimento revolucionário literário, a produção poética “fora do sistema” foi divulgada pelos próprios poetas a partir de pequenas tiragens de cópias. Elas eram produzidas nos toscos folhetos mimeografados, os quais vendiam sua arte a baixo custo, nos bares, praças, teatros, cinemas, universidades, etc. A poesia marginal era formada, em sua maioria, por pequenos textos, alguns com apelo visual (fotos, quadrinhos, etc.), absorvidos por uma linguagem coloquial (traços da oralidade), espontânea, inconsciente. A temática cotidiana e erótica era permeada de sarcasmo, humor, ironia, palavrões e gírias da periferia.

Desse movimento marginal surgem poetas que se destacaram como Chacal, Cacaso, Paulo Leminski e Torquato Neto. No campo musical, destacam-se Tom Zé, Jorge Mautner, Jards Macalé e Luiz Melodia. Já nas artes plásticas foram Lygia Clark e Hélio Oiticica que se identificaram com o movimento. Uma das frases mais conhecidas do artista Hélio Oiticica demonstra sua proximidade com a Geração Mimeógrafo: “Seja Marginal Seja Herói”, que ilustra este artigo.

E não é que, em plena segunda década de nosso século, surge em São Paulo um novo movimento cultural chamado Neomarginal? O Movimento Neomarginal nasceu da frase “pra tudo há um novo, menos para o marginal” do poeta paulistano Vitor Miranda e se aprimorou como um questionamento ao neoliberalismo do meio artístico, na busca de juntar nos mesmos eventos artistas reconhecidos e iniciantes, numa tentativa de quebrar a politicagem do mercado cultural.

Um ponto interessante do grupo é que reúne artistas de diversas expressões espalhados pelo Brasil, que flertam na marginalidade, com fotografia, festivais, saraus, festas, sempre de forma itinerante. Apesar do aspecto mambembe, o grupo tem como sede o ateliê da artista Ira Rebella e a Livraria Sebo Chama de uma Vela.

Itinerantes que são, convocaram três de seus principais integrantes a virem a Curitiba para apresentar a sexta edição do Movimento Neomarginal, a primeira vez longe da Paulicéia Desvairada. O encontro de música e poesia foi marcado para acontecer no Porão Loquax, no icônico Wonka Bar, no dia 11 de junho. Reuniram bardos que vivem em São Paulo, Florianópolis e na capital do Paraná, com intervenção musical dos curitibanos Estrela Leminski e Téo Ruiz.

Na noite mágica estiveram presentes poetas como Alice Ruiz, Sergio Viralobos, Monica Berger, Katia Horn, Greta Benitez, Pedro Alkimista, Ricardo Pozzo, Otto Leopoldo Winck, Yohan Barcz e Daniel Osiecki, personagens com capacidade para compor a rica história da poesia curitibana. De São Paulo tivemos os inspirados Ikaro Maxx, Daniel Perroni Rato e Vitor Miranda, além de Catia Cernov, de Florianópolis.

No evento aconteceram lançamentos de livros, entre eles, “Exátomos”, de Vitor Miranda, do Selo Neomarginal; “Grinalda de um poeta”, de Daniel Perroni Ratto, da Editora Algaroba; “Sob o signo da noite”, de Daniel Osiecki, da Vespeiro Edições; “Girassóis & Burakosnegros”, de Catia Cernov, da Kotter Editorial e a “Coleção Night Beat”, de Ikaro Maxx, da Provokeativa.

Daniel Ratto, meu amigo de tantos anos, Ikaro Maxx, o filósofo da Paraíba, e Vitor Miranda ainda passaram a semana toda agitando em Curitiba, fazendo novas amizades e planejando novas ações poéticas. Aprontaram em lugares como o Largo da Desordem, o Gato Preto e o místico bar Gostinho da Tetê, em plena semana de aniversário de 99 anos de nosso Vampiro. Essa é a Curitiba que eu viajo. Antes que fossem embora num carro envenenado para São Paulo, dirigido pela linda musa Bárbara Will, consegui fazer três perguntas para Vitor Miranda, que me respondeu assim:

1) Como foi a repercussão do evento no Wonka? Acha que podemos fazer novos encontros entre a poesia paulistana e a curitibana?

Foi uma noite histórica para o Movimento Neomarginal, pois é a primeira vez que saímos de São Paulo com um evento nosso e foi casa cheia, divertido e profundo. espero que para Curitiba tenha sido uma noite importante e que reverbere pelo tempo. muita gente agradecendo por um encontro que há muito não acontecia. eu, conhecendo um pouco da cena, sei que algumas que nutrem rusgas passadas, estavam ali no mesmo evento em prol da poesia, pois ela tem de ser maior do que nossos egos.

E o ponto alto foi a lembrança daqueles poetas que já se foram. (Veja a cena de Ieda Godóy, dona do Wonka Bar, recitando o nome dos poetas mortos aqui) foi muito bonito isso, o afeto da poesia. lembrou-me Nelson Cavaquinho:

“Em Mangueira quando morre um poeta, todos choram
Vivo tranquilo em Mangueira porque
Sei que alguém há de chorar quando eu morrer”

Os Neomarginais tem uma ponte estabelecida com Curitiba através de Ricardo Pozzo e Daniel Osiecki, dois curitibanos que estão no grupo de WhatsApp onde nos organizamos com conversas e ideias, grupo que está aberto a novos participantes. há artistas de vários lugares do país.

E não só aquelas e aqueles que enfrentam a barra de estar num grupo de WhatsApp são Neomarginais, acredito que todxs poetas desse momento histórico são Neomarginais, e também artistas de outras linguagens e expressões.

Chegando em São Paulo, tivemos o evento Zona Livre organizado pelo Daniel Perroni Ratto, e todos estavam sabendo da nossa passagem com a Festa Neomarginal por Curitiba.

Então, fez-se barulho nas duas capitais e em outros locais e continuará fazendo através do nosso trabalho de divulgação no Instagram @neomarginais

Seria interessante agora recebermos vocês por aqui numa Festa Neomarginal especial de recepção aos poetas curitibanos em sp. seria uma felicidade para o núcleo paulistano essa visita.

E foi deixada a semente da Festa Neomarginal em Curitiba. evento que criamos e iniciamos aí a ideia da exportação do formato. quem sabe conseguimos manter a festa acontecendo por aí e a cada edição enviando poetas daqui para participar.

2) Você já esteve antes em Curitiba? Como é sua vivência com os poetas daqui? Vê uma diferença entre a poesia feita aqui e São Paulo?

Curitiba é uma das cidades que me adotaram e adotei. minha poesia nasce aí em 2015 após minha passagem pelo Vox Urbe no Wonka para leitura de um livro de contos. naquela noite conheci dois grandes amigos e mestres: Ricardo Pozzo e Jaques Brand. além de serem referência como poetas também me ensinaram a generosidade que se deve existir.

E Brand sempre articulando comigo ideias dessa ponte Curitiba – São Paulo.

No meio do caminho há também minha amizade com Alice Ruiz. nos conhecemos em Curitiba, mas a amizade e parceria se deu em São Paulo.

Também já fui publicado por editora curitibana, a Kotter, com o livro “A gente não quer voltar pra casa”, com capa do saudoso Marcelo de Angelis.

Então, minha ancestralidade poética é curitibana. sou grande admirador da obra de Leminski, Wilson Bueno e Jamil Snege.

Amigo de Estrela e de Téo, gosto muito do trabalho da Bruna Lucchesi e do Du Gomide, isso já entrando mais pra poetas musicais.

Rimon Guimarães também, um grande artista que aprecio o trabalho.

Enfim, são inúmeras referências e algumas amizades que me torna um pouco curitibano.

Não vejo como diferenciar as poesias. penso que cada poeta também é fruto de sua paisagem, de suas referências, de sua história e acabamos por sermos influenciados também pela ancestralidade poética de nossas cidades, mas também daquelas e daqueles com quem dialogamos mais profundamente, nossos contemporâneos. aqui em São Paulo somos carregados na alma pela semana modernista, pelo concretismo, mas acima de tudo a maior identidade poética com a paisagem da metrópole é o trabalho de Roberto Piva. em Curitiba o vampiro Dalton Trevisan deixou seu sangue nas veias literárias da província. mas hoje as paisagens são digitais também, nós somos a própria paisagem inerte e inexpressiva.

3) Quais são os novos passos do movimento Neomarginal?

Agora há quatro coisas na cabeça:

Levar a Festa Neomarginal para uma cidade de interior

Organizar a primeira feira literária Neomarginal

Pensar o feminismo Neomarginal

Trazer mais autoras e autores que se auto publicam para se lançar com o Selo Neomarginal, marca que usamos por trás de nossas auto publicações e fazemos uma assessoria editorial. hoje temos livros de minha autoria e do poeta Henrique Pitt.

E assim se passou esta semana extraordinária, entre tantos afetos e descobertas. Acho impossível que daí não se brote algo fértil.

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