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quinta-feira, novembro 21, 2024
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O Javali de Erimanto

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Dando continuidade à publicação dos poemas da saga dos Doze Trabalhos de Hércules, hoje é a vez de O Javali de Erimanto, escrito por Sérgio Viralobos e produzido por Samuel Lago e Rodrigo Barros.
Clique aqui para ouvir a leitura do poema pelo autor da obra:

O JAVALI DE ERIMANTO

Quem, qual Héracles, nasceu no quarto dia da lua,
Só pode esperar sofrimento em profunduras.
Diz o ditado grego de rua,
Soprado pelos deuses das alturas.

O novo golpe de Euristeu ladino:
Capturar o Javali de Erimanto
Como trabalho, ainda por cima vivo.
O impossível não lhe causava espanto.
Quando soube, Apolo desceu a Héracles
E ofereceu-lhe um novo arco,
Mais retesado que as hipérboles,
Para a caça ao monstro em seu buraco.

Nosso herói respondeu resoluto:
Não levarei flechas nesta aventura,
Pois temo causar ainda mais luto
No caminho pra chegar à criatura.

E assim desarmado, a não ser por sua clava,
Ele escalou a montanha pressuposta.
Não era vulcão, mas queimava mais que lava
Ver os corpos despojados pela encosta.

À determinada altura da subida,
Encontrou um centauro seu amigo.
Parecia bom augúrio em meio à carnificina.
Seu nome era Folo e tinha um semblante meigo.

Héracles falou-lhe da caça ao javali onívoro,
Terror daquele lugar do mundo.
Por ser um centauro meio frívolo,
Folo habilmente mudou de assunto,

Apresentando um barril de vinho tinto
Dado a sua manada de irmãos pelos deuses,
Com a condição de que fosse tomado em conjunto
Por todos os centauros montanheses.

Mas seus manos estavam em outro pasto
E o barril estava ali, em desperdício.
Héracles disse: um gole daria bem pro gasto
E os dois se embriagaram em delírio.

Ao sentirem o odor do vinho ao vento
Os quadrupedes cercaram a gruta de Folo,
Armados de paus, pedras, fogo e xingamento.
Héracles se esqueceu do que disse a Apolo

E batalhou tão ferozmente
Que, por acaso, matou o companheiro.
Outra vez se queimou no sangue quente
Do herói um inocente verdadeiro.

Enquanto os centauros contavam os mortos no escombro,
Héracles recomeçou a busca pelo grande javali,
Com mais uma culpa pra levar no lombo.
“Será que meu pai sabia o que seria quando nasci?“,

Perguntou-se entre as pegadas do animal que procurava.
Por fim, encontrou o soturno chiqueiro:
Na entrada, uma árvore podre ornamentada
Com pedaços de corpos exaladores de mau cheiro.

De dentro daquela caverna-açougue,
Saiu sua presa, maior do que supunha.
Força bruta com olhos injetados de sangue
Em contrate com a cor terrosa da corcunda.

O bicho grunhiu furibundo
E correu contra sua janta viva.
O semideus desviou-se no último segundo,
Agarrando o porco pela barriga.

Os braços que estrangularam o Leão de Neméia
Fraquejaram diante desta nova fera,
Que escapou entre seus dedos como areia
Pra se embrenhar na mata de outra biosfera.

Após muito urrar de frustração,
Héracles sentou-se e pensou dobrado.
A última tragédia deixou uma lição:
Na ignorância não iria cumprir este Trabalho.

Desta vez teria de ter estratégia:
Viu os campos devastados em volta
Pela neve que caía sem miséria
E previu que, em breve, estaria a bruxa solta.

O javali já saqueara das aldeias
De Erimanto todo alimento que havia.
A fome costuma dar ideias…
Héracles não curtia gastronomia,

Mas catou as poucas sementes vegetais
Ainda existentes naquela terra
Pra replantá-las especiais
Com cuidados de mão materna.

No meio da plantação arregada
Montou uma arapuca muito bem feita.
Agora só faltava dar corda
Ao tempo inevitável da colheita.

E esperou, esperou e esperou.
Viu os brotos crescerem veganos
Por dias de sol a sol,
Por semanas, meses e anos.

Numa bela manhã ouviu um estrondo:
Eram pisadas pesadas no chão
De um ser cujo estômago tinha um rombo.
O javali veio voraz em direção ao alçapão.

Héracles gritou de alegria pela vitória,
Mas restava pular um último penhasco.
O monstro devia segui-lo por vontade própria
No retorno ao castelo do seu carrasco.

Ainda tinha que domar a besta.
Abriu a portinhola da armadilha
E deu-lhe de comer por esta fresta
Como se cevasse um porco pra ceia da família.

Depois deixou que saísse
E ele fugiu em desespero para o leste,
Só pra ver que o mundo estava em crise
E voltar pra comida do seu mestre.

O povo da montanha não creu no que via
Héracles descia o monte com um carrinho de mão.
Parecia mais segurar um monstro, todavia,
Pelas patas traseiras. Era o porco que já fora cachação.

Se houvesse eleição em Erimanto,
O filho de Zeus ganharia no primeiro turno.
Tinha que voltar pra Micenas, no entanto,
Pra dar o prêmio ao Rei meditabundo.

Euristeu comemorava o fracasso do primo,
Que não dava notícia há muitos meses.
Foi quando ouviu uma multidão rindo:
Súditos tão alegres havia visto poucas vezes.

Era o herói entrando na Sala do Trono
Com o javali quietinho nos seus ombros,
Em cumprimento do Trabalho por seu dono.
Final mais feliz nem no melhor dos sonhos.

Menos pra Euristeu, que entrou em surto,
Pulando pra dentro de uma ânfora ajaezada.
– Afasta de mim este bruto!
Estou tremendo mais que vara esverdeada!

Héracles soltou seu camarada:
– Volte em paz pelos caminhos mais seguros.
Com a alma enfim apaziguada,
Ouviu ao longe um tropel de centauros.

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