As autoridades de saúde do Brasil estão enfrentando uma crise após a descoberta de que seis pacientes transplantados pelo sistema público de saúde receberam órgãos infectados com HIV. A notícia chocou o país e colocou em xeque o sistema de saúde, que é motivo de orgulho nacional.
Desde que foram reportados os casos na semana passada, há uma troca de acusações entre os envolvidos. O sistema de saúde pública do Rio de Janeiro culpou um laboratório privado, PCS Lab Saleme, responsável pelos testes de HIV nos doadores de órgãos. O laboratório, por sua vez, atribuiu a falha a uma funcionária.
Essa funcionária, em entrevista, negou envolvimento nos erros e sugeriu que o laboratório falsificou sua assinatura.
Enquanto isso, seis pacientes estão tentando lidar com o fato de que os órgãos que receberam estavam contaminados com o vírus causador da AIDS. “É como se o chão tivesse se aberto; isso vai mudar completamente minha vida”, disse uma receptora de rim em um programa de TV, sob anonimato. “Eu não fiz nada para contrair isso. Foi erro de pessoas irresponsáveis.”
Um paciente que recebeu um fígado infectado morreu logo após o transplante, e as autoridades estão investigando se o HIV foi um fator determinante. Também estão verificando se outros órgãos de doadores infectados entraram na rede de transplantes.
“É claro que houve uma falha”, afirmou Claudia Mello, secretária de saúde do Rio. “É inaceitável.”
A licença do PCS Lab Saleme foi suspensa, e a polícia abriu uma investigação. Dois funcionários do laboratório, incluindo um dos sócios, foram detidos temporariamente na segunda-feira. Eles são investigados por fraude e associação criminosa.
O laboratório não respondeu aos pedidos de comentários, mas emitiu um comunicado dizendo que cooperará com as investigações. “Este episódio não tem precedentes na história da empresa, que atua no setor desde 1969”, afirmou. O PCS Lab também se comprometeu a fornecer suporte médico e psicológico aos pacientes infectados e a seus familiares.
O sistema público de saúde do Brasil, que oferece tratamento médico gratuito a cerca de 190 milhões de pessoas, é reconhecido mundialmente. Nos últimos 20 anos, a rede de saúde do estado do Rio realizou cerca de 16 mil transplantes. Uma parte essencial do processo é verificar a saúde dos doadores, tarefa que cabia ao PCS Lab Saleme.
Desde o final do ano passado, a empresa foi contratada para testar o sangue de quase 300 doadores de órgãos. Pelo menos dois doadores infectados com HIV foram relatados como negativos, e nove órgãos foram transplantados para sete pacientes. Um desses pacientes, que recebeu uma córnea, testou negativo para o HIV.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, afirmou em uma publicação no X (antigo Twitter) que o “estado tem o dever de assumir a responsabilidade” pelo que chamou de “uma situação inaceitável e sem precedentes.”
As autoridades de saúde foram alertadas sobre o erro quando um dos receptores procurou atendimento médico por problemas neurológicos. Exames revelaram que a pessoa estava infectada com HIV.
Grande parte da atenção pública recaiu sobre Jacqueline Iris Bacellar de Assis, cujo nome e iniciais aparecem nos formulários que atestaram a saúde dos órgãos. O laboratório alegou que ela se apresentou como biotécnica, mas ela negou essa afirmação, dizendo que nunca reivindicou tal função e que seu trabalho era estritamente administrativo. Ela também afirmou que não assinou fisicamente os formulários, mas que outras pessoas tinham acesso às suas senhas.
Na segunda-feira, a polícia emitiu um mandado de prisão contra Bacellar, que agora é considerada foragida após não se apresentar às autoridades.
“Estou arrasada com essa situação”, disse ela. “Fico me perguntando por que o laboratório faria algo assim.”
A receptora do rim contaminado disse que quer ver o laboratório responsabilizado. “Eles não estavam preocupados com nossas vidas. Estavam atrás de lucros. Não há justificativa. Quero punição.”