Qualquer um que acompanhe o discurso sobre inteligência artificial nos últimos anos já ouviu uma versão ou outra da afirmação de que a IA é inevitável. Um ponto comum é que a IA já faz parte de nossas vidas, tornou-se indispensável, e que os céticos estão se prejudicando ao duvidarem de seu valor.
No mundo dos negócios, defensores da IA alertam que empresas e trabalhadores que não integrarem IA generativa em suas operações ficarão para trás. Nas ciências, a promessa é de que a IA ajudará a encontrar cura para doenças até agora intratáveis.
No ensino superior, entusiastas da IA dizem aos professores que seus alunos precisam aprender a usá-la ou correrão o risco de perder competitividade no mercado de trabalho.
Na segurança nacional, os defensores da IA argumentam que, se a nação não investir em armamentos baseados em IA, ficará em desvantagem em relação à China e à Rússia, que já fazem esses investimentos.
O argumento em todas essas áreas é o mesmo: o ceticismo sobre a IA já passou da validade. A tecnologia moldará o futuro, independentemente das preferências individuais. Quem tentar impedir essa transformação estará tão desatualizado quanto os tecelões manuais que resistiram aos teares mecânicos no início do século XIX.
Nos últimos anos, colegas do Applied Ethics Center da UMass Boston estudaram as questões éticas levantadas pela adoção da IA, e dizem que o argumento da inevitabilidade é equivocado.
História e Perspectiva
Essa visão é uma versão recente de um determinismo tecnológico: a crença de que inovações são imparáveis depois que começam a ser desenvolvidas. É como se alguns “gênios” simplesmente não voltassem para a garrafa, e a única escolha fosse usá-los para propósitos benéficos.
O determinismo tecnológico tem uma longa história, aplicada desde a invenção da prensa de Gutenberg até o surgimento dos automóveis e a infraestrutura necessária para eles.
Contudo, no caso da IA, o determinismo é exagerado e simplista.
A IA nos Diversos Setores
Considere a ideia de que empresas não podem ficar de fora da IA. A verdade é que ainda não foi provado que a IA está aumentando a produtividade. Em julho de 2024, a revista The Economist relatou que a tecnologia ainda não teve um impacto econômico relevante.
Na educação superior, a questão da IA continua em aberto. Embora universidades tenham investido muito em IA, há sinais de que podem ter se precipitado.
A tecnologia pode ser uma ferramenta interessante para o aprendizado, como a criação de um chatbot de Platão que permite conversas de texto com um bot que simula o filósofo. Mas, por outro lado, a IA está eliminando algumas das melhores ferramentas dos professores para avaliar e desenvolver o pensamento crítico, como os trabalhos escritos. O ensaio universitário está desaparecendo, pois cada vez mais professores desistem de identificar se seus alunos estão escrevendo ou apenas usando IA. O que se perde ao deixar para trás essa habilidade tradicional e útil?
Na ciência e na medicina, a IA é promissora. Ela contribui para a compreensão da estrutura de proteínas, com um impacto provável na cura de doenças, e está transformando a imagem médica e acelerando a descoberta de medicamentos.
Mas o entusiasmo pode ser exagerado. Previsões da IA sobre quais casos da covid se tornariam graves falharam, e médicos muitas vezes confiam demais na tecnologia, ignorando seu próprio julgamento clínico. Mesmo em áreas com grande potencial, o impacto final da IA ainda é incerto.
Contudo, ceder totalmente a essa lógica pode levar os EUA a ignorar o impacto desproporcional dessas tecnologias em nações que não têm recursos para a corrida armamentista da IA. Grandes potências poderiam utilizar essas tecnologias em conflitos nessas regiões. Além disso, esse argumento subestima a possibilidade de colaboração com adversários para limitar o uso militar da IA, priorizando a corrida armamentista em vez do controle.
Um Passo de Cada Vez
Avaliar cuidadosamente o impacto e os riscos da IA em cada área merece um ceticismo saudável. Acredito que a IA deva ser adotada gradualmente e com uma abordagem ponderada, em vez de aceitar afirmações abrangentes de inevitabilidade. Dois pontos são importantes:
Primeiro, empresas e empreendedores têm interesse direto em fazer com que a IA pareça inevitável e essencial, pois seu lucro depende da adoção da tecnologia. É crucial saber quem está fazendo as alegações de inevitabilidade — e por quê.
Segundo, é útil lembrar a história recente. Nos últimos 15 anos, smartphones e aplicativos de redes sociais se tornaram parte do cotidiano — uma tecnologia tão transformadora quanto inevitável. Então, surgiram dados sobre os danos à saúde mental de adolescentes, especialmente meninas.
Após anos de experimentação com a saúde mental de jovens, facilitada por um determinismo tecnológico, os americanos mudaram de curso. O que parecia imutável mostrou-se ajustável. Ainda há tempo para evitar o mesmo erro com a IA, que pode ter consequências ainda maiores para a sociedade.