Mais uma grande notícia no mundo da ciência: tudo o que pensávamos saber sobre o universo pode estar errado. Bem, não exatamente tudo – mas descobertas recentes podem abalar profundamente o modelo padrão da cosmologia, conhecido como ΛCDM, que serve como base para toda a astrofísica moderna. Um abalo grande o suficiente para potencialmente mudar até mesmo o nome dessa teoria fundamental.
Nos últimos 13 meses, astrônomos de todo o mundo colaboraram na análise dos dados coletados pelo Instrumento Espectroscópico de Energia Escura (DESI). Como o nome sugere, o DESI foi projetado principalmente para estudar a energia escura – com o objetivo de estabelecer limites sem precedentes sobre a equação de estado da energia escura, o crescimento gravitacional da estrutura em grande escala do universo, a soma das massas dos neutrinos e para explorar assinaturas observacionais da inflação primordial.
Esta semana, o DESI divulgou seu primeiro conjunto de dados (Data Release 1), abrangendo todas as observações feitas durante seus primeiros 13 meses de operação. Os resultados mais impressionantes sugerem que a energia escura pode não ser uma constante cosmológica, como se acreditava. Essa descoberta, aparentemente pequena, tem implicações enormes.
Quando a energia escura foi descoberta em 1998, nossa compreensão do universo mudou radicalmente. Em vez de um cosmos em expansão que estava desacelerando, descobrimos que o universo estava na verdade acelerando sua expansão. As novas descobertas do DESI não negam esse quadro, mas o modificam significativamente: os dados sugerem que a aceleração atribuída à energia escura está diminuindo com o tempo – não seria uma influência constante, mas sim enfraquecente.
A equipe utilizou dois conjuntos massivos de dados para chegar a essa conclusão. O primeiro foi o Data Release 1 do DESI, que permitiu medições das flutuações em grande escala da matéria visível (oscilações acústicas bariônicas ou BAO) e do comportamento do meio intergaláctico através de observações do chamado “bosque Lyman-α”. Como o DESI pode observar extremamente longe no espaço (e consequentemente no tempo), ele oferece uma visão de bilhões de anos do passado cósmico.
O segundo conjunto de dados veio do ainda não publicado Data Release 2 do DESI, complementado por informações sobre o fundo cósmico de micro-ondas e supernovas tipo Ia. A análise combinada sugere que as equações que melhor explicam as observações são aquelas onde a energia escura é representada como uma entidade variável, não constante.
Para entender a importância disso, basta lembrar que no modelo ΛCDM, o “Λ” representa justamente a constante cosmológica associada à energia escura. Se essa descoberta se confirmar, esse componente fundamental do modelo estaria incorreto.
Adam Riess, um dos astrofísicos que descobriu a energia escura, comentou ao Jornal Paraná: “É justo dizer que este resultado parece ser a maior pista que temos sobre a natureza da energia escura nos cerca de 25 anos desde sua descoberta.”
Apesar da empolgação, os cientistas mantêm cautela. A significância estatística da descoberta atingiu 4.2σ (sigma), o que significa cerca de 1 chance em 50.000 de ser um acaso – impressionante, mas ainda abaixo do limiar de 5σ (1 em 3,5 milhões) considerado como “descoberta definitiva”. Como a cosmóloga Wendy Freedman explicou: “Ainda estamos no nível ‘interessante’ ou ‘fique atento’. Muito intrigante, mas ainda não definitivo.”
A situação se complica com outro estudo recente do Telescópio Cosmológico Atacama, que parece confirmar a validade do modelo ΛCDM – pelo menos para o universo primitivo. Colin Hill, cosmólogo envolvido nessa pesquisa, ponderou: “Fiquei impressionado por não vermos sequer um indício dessas novas extensões da física. Isso sugere que talvez precisemos revisitar alguns dos pressupostos fundamentais de nossa compreensão da cosmologia.”
Curiosamente, os dois estudos não são necessariamente contraditórios – apenas acrescentam novos quebra-cabeças para os cientistas resolverem.
E o que isso tudo significa para o futuro do universo? O modelo ΛCDM atual prevê um “Big Rip” – onde tudo se afastaria cada vez mais rápido até a destruição funcional de toda matéria. Mas se a energia escura estiver realmente enfraquecendo, nosso destino cósmico poderia ser diferente: talvez um “Big Crunch” (um colapso universal em um ponto infinitamente denso) ou, na melhor das hipóteses, um universo que se estabiliza eternamente.
Como Will Percival, cosmólogo e porta-voz do DESI, resumiu: “Isso na verdade dá um novo ânimo para o campo de pesquisa. Agora temos algo novo para perseguir.” A busca por entender nosso lugar no cosmos continua, mais emocionante do que nunca.