Uma viagem pelo inconsciente do compositor londrinense Arrigo Barnabé, abordando suas múltiplas facetas artísticas e seu processo criativo em um misto de documentário e ficção. Essa é a proposta de “O Homem Crocodilo”, longa-metragem dirigido por Rodrigo Grota que terá sua pré-estreia hoje às 19h30. O filme será exibido no Espaço Villa Rica (Rua Piauí, 211, próximo à Concha Acústica), e os ingressos podem ser adquiridos on-line ou na bilheteria do local.
A obra consiste em um filme-ensaio composto por fragmentos da história de um homem que desapareceu no norte do Paraná há cerca de 50 anos, e que teria se metamorfoseado em um crocodilo. Permeado pelo realismo fantástico, o longa busca rastros, no mundo contemporâneo, da existência desse indivíduo, cuja voz vem de um subterrâneo profundo e nos revela algo desconhecido sobre nós mesmos.
O diretor explica que “O Homem Crocodilo” apresenta 32 variações inspiradas no imaginário de Barnabé, abordando a sua relação com diferentes linguagens artísticas como a música erudita, a cultura pop, os quadrinhos e o cinema. Além da atuação do compositor, o filme também conta com a participação da atriz Maíra Kodama e da bailarina Ariela Pauli, que representam diferentes personas do artista.
“O filme não deixa de ser um documentário, pois ele inclui depoimentos do Arrigo Barnabé falando sobre a sua formação musical, assim como a maneira pela qual ele vê a música e o mundo. Porém, ‘O Homem Crocodilo’ também é um filme ficcional, porque buscamos recriar aquilo que imaginamos que se passa na mente do Arrigo. É uma narrativa híbrida, com elementos de documentário e elementos de ficção”, afirma.
Grota salienta que teve a ideia de produzir o filme em 2005, enquanto realizava o documentário “Inimigo Público N 1”, média-metragem que também enfoca a obra do músico londrinense. Anteriormente, havia trabalhado com o compositor no curta “Londrina em Três Movimentos” (2004), cuja trilha sonora é de Barnabé.
“Uma das dúvidas iniciais que eu tinha era se seria possível traduzir para a linguagem do cinema a estética do Arrigo, que contém elementos da música atonal, do serialismo musical e do dodecafonismo. A forma de encontrar um caminho para o filme foi adotar, no roteiro e na montagem, essa estrutura de 32 variações sobre o universo do Arrigo, em uma espécie de ‘metaverso do Arrigo Barnabé’”, frisa.
Conforme o cineasta, esse enfoque não ortodoxo se conecta à obra de Barnabé porque ela é aberta ao estranho, ao diferente e ao distante. “O Arrigo tem um processo criativo único, e possui uma obra muito vasta. Ele é um multiartista que cria músicas há mais de 50 anos, mas também atua em filmes, faz trilhas sonoras para o cinema e conta com uma produção literária e de roteiros de histórias em quadrinhos”, cita.
O diretor aponta a importância de Arrigo Barnabé para a cultura londrinense e brasileira. Segundo ele, o compositor, nascido em 1951, representa a modernização cultural experimentada por Londrina desde os anos 50, quando a cidade deixou de ser um município provinciano e se tornou mais cosmopolita.
“Ele nasceu um ano depois que o Haruo Ohara, o principal fotógrafo de Londrina, se mudou da zona rural para o Centro e adotou uma nova linguagem visual. E um ano antes da inauguração do Cine Teatro Ouro Verde, projetado pelo Vilanova Artigas, um dos ícones da arquitetura modernista. O Arrigo mistura a música erudita e a cultura popular de forma muito singular e autêntica, e fez uma das últimas revoluções na música brasileira com o álbum ‘Clara Crocodilo’. Ele tem uma importância seminal porque cria o conceito do sertanejo lisérgico, uma obra ligada a um contexto rural, provinciano, mas que ao mesmo tempo tem essa psicodelia e uma linguagem um pouco mais fragmentada e hipnótica, representando as contradições de Londrina”, sublinha.
Destacando a forte ligação da obra musical de Arrigo Barnabé com o cinema, Grota conta que teve seu primeiro contato com o trabalho do artista londrinense em 1997. Naquela ocasião, ele assistiu na TV Cultura ao filme “Nem tudo é verdade”, de Rogério Sganzerla, em que Barnabé interpreta o personagem do cineasta Orson Welles.
“Eu vi a atuação do Arrigo e achei fantástica, porque ele criava expressões faciais e vozes diferentes, e fiquei intrigado. Naquela época eu não tinha acesso à internet, mas meu amigo Fábio Cavazotti, hoje secretário municipal de Gestão Pública de Londrina, gostava da música do Arrigo, e me apresentou o ‘Clara Crocodilo’ em fita cassete. Eu achei maravilhoso e fiquei impressionado porque nunca tinha ouvido nada parecido. Fiquei com aquilo na cabeça e fui atrás do CD”, lembra.