Os cérebros das aves modernas sustentam uma capacidade cognitiva e uma complexidade comportamental comparáveis apenas às dos mamíferos. Contudo, como o cérebro das aves evoluiu ao longo de milhões de anos a partir de uma forma ancestral de dinossauro sempre intrigou os cientistas. Isso mudou com a descoberta impressionante de um fóssil no Brasil.
Pesquisadores desenterraram o crânio de uma espécie de ave, desconhecida até então, de tamanho semelhante a um estorninho, chamada Navaornis hestiae. Tão bem preservado, o fóssil permitiu uma reconstrução digital de seu cérebro e ouvido interno a partir do formato da caixa craniana. Esta ave habitou um ambiente árido há cerca de 80 milhões de anos, durante o período Cretáceo, a última fase da era dos dinossauros. “Esta descoberta é única,” disse o paleontólogo Guillermo Navalón.
As aves evoluíram de pequenos dinossauros com penas durante o período Jurássico. A descoberta do Navaornis preencheu uma lacuna de 70 milhões de anos na compreensão da neuroanatomia aviária, que remonta à ave mais antiga conhecida, o Archaeopteryx, que viveu na Europa há aproximadamente 150 milhões de anos.
O crânio do Navaornis, com uma geometria moderna no formato do bico e grandes órbitas oculares, lembra superficialmente o de um pequeno pombo. Seu cérebro apresentou um mosaico de características modernas e arcaicas, e algumas intermediárias.
“É uma evidência muito aguardada, pois crânios tridimensionais bem preservados de aves primitivas – aquelas que sobrevoavam os dinossauros – são extremamente raros, e este é o mais bem preservado já encontrado,” disse o paleontólogo e coautor do estudod Luis Chiappe.
“Os cientistas têm tido dificuldades para entender como e quando os cérebros únicos e a notável inteligência das aves evoluíram. A área esperava pela descoberta de um fóssil exatamente como este,” afirmou o paleontólogo e autor sênior do estudo Daniel Field.
O cérebro do Navaornis — medindo cerca de 10 mm de diâmetro — era menor, em proporção ao crânio, que o das aves modernas, mas maior e mais complexo que o do Archaeopteryx.
Seu cerebelo, estrutura que nas aves vivas ajuda na coordenação motora para o voo, era menor do que nas espécies atuais, mais parecido com o do Archaeopteryx. No entanto, seu cérebro se conectava à medula espinhal de maneira similar à das aves modernas — e dos humanos — diferentemente do Archaeopteryx e dos dinossauros dos quais as aves evoluíram.
Ele apresentava características intermediárias entre o Archaeopteryx e as aves modernas. O tamanho e a forma intermediários de seu cérebro indicam que era cognitivamente mais avançado do que as aves mais primitivas, mas menos do que as aves atuais.
“Especializações Inesperadas”
O Navaornis exibia características únicas, como um aparelho vestibular, órgão de equilíbrio no ouvido interno, maior do que em qualquer outra ave conhecida.
“Existia uma grande lacuna (no registro fóssil) entre aves como o Archaeopteryx, que tinham um cérebro mais semelhante ao dos dinossauros, e aquelas mais próximas das aves modernas. Esta nova evidência documenta uma fase intermediária na evolução do cérebro, mas com algumas especializações inesperadas que podem estar ligadas a características funcionais como o voo,” explicou Chiappe.
A fragilidade dos ossos de aves torna seus fósseis raros. Este crânio foi preservado em 3D, e não achatado como muitos fósseis. O fóssil, que incluía 80% do esqueleto da ave, indicou que ela era uma voadora competente.
O nome Navaornis significa “ave de Nava,” uma homenagem a William Nava, o cientista que descobriu o fóssil em 2016, no estado de São Paulo, sudeste do Brasil.
O Navaornis pertenceu a um grupo aviário chamado enantiornithes, que prosperou durante o Cretáceo, mas foi extinto com o impacto do asteroide há 66 milhões de anos, que condenou os dinossauros mas poupou a linhagem aviária ainda viva. Isso significa que o Navaornis não é ancestral das aves atuais; suas características modernas evoluíram separadamente.
Seu bico fino e delicado sugere uma dieta de insetos e sementes que ele conseguia engolir inteiros. Ele viveu ao lado de enormes dinossauros herbívoros de pescoço longo e grandes dinossauros carnívoros.
“À primeira vista, provavelmente parecia muito com uma ave atual. Contudo, um exame mais atento provavelmente revelaria várias características arcaicas ausentes nas aves modernas, como garras nas asas,” comentou Field.