Uma combinação inovadora de dados de dois levantamentos astronômicos distintos permitiu que pesquisadores criassem uma espécie de “tomografia cósmica”, revelando a evolução do universo.
As análises indicam que, à medida que forças como a gravidade moldaram a estrutura cósmica, o universo se tornou menos aglomerado do que o previsto, tornando-se mais complexo do que o esperado. Os cientistas chegaram a essa conclusão ao combinar a sexta e última liberação de dados do Telescópio Cosmológico Atacama (ACT) com as informações do primeiro ano de observações do Instrumento Espectroscópico de Energia Escura (DESI).
Essa poderosa fusão de dados permitiu aos pesquisadores sobrepor diferentes períodos da história cósmica, como se estivessem empilhando fotografias antigas do universo sobre imagens mais recentes, criando uma visão multidimensional do cosmos.
“Esse processo funciona como uma tomografia cósmica, na qual podemos examinar diferentes camadas da história do universo e acompanhar como a matéria se agrupou ao longo de diferentes épocas”, explicou Mathew Madhavacheril. “Isso nos dá um olhar direto sobre como a influência gravitacional da matéria mudou ao longo de bilhões de anos.”
Rastreando a luz cósmica primordial
Para construir essa “tomografia” do universo, a equipe recorreu a uma luz que existe há quase tanto tempo quanto o próprio cosmos.
Com essa luz antiga, é possível rastrear as transformações do universo ao longo dos 13,8 bilhões de anos em que a gravidade o remodelou.
“O ACT, que cobre aproximadamente 23% do céu, fornece um retrato da infância do universo ao captar uma luz distante e tênue que viaja desde o Big Bang”, disse Joshua Kim, coautor do estudo e pesquisador do Madhavacheril Group. “Formalmente, chamamos essa luz de Radiação Cósmica de Fundo (CMB), mas às vezes a apelidamos de ‘foto de bebê do universo’, pois representa um instante em que ele tinha cerca de 380 mil anos de idade.”
A CMB é a radiação remanescente de um evento que ocorreu logo após o Big Bang, conhecido como “último espalhamento”. Esse fenômeno aconteceu quando o universo se expandiu e esfriou o suficiente para que elétrons e prótons se combinassem e formassem os primeiros átomos neutros de hidrogênio. Com o desaparecimento dos elétrons livres, os fótons, ou partículas de luz, puderam viajar livremente, sem serem constantemente desviados. Em outras palavras, o universo passou de opaco a transparente.
Hoje, essa luz primordial é detectada como a CMB, também chamada de “superfície do último espalhamento”.
Embora muitas vezes descrita como um “fóssil cósmico”, a CMB não permaneceu inalterada ao longo dos bilhões de anos. Com a expansão do universo, seus fótons sofreram um alongamento de comprimento de onda e perderam energia. Atualmente, sua temperatura é uniforme, atingindo -270°C.
Como a massa deforma o tecido do espaço-tempo e gera a força gravitacional, a luz da CMB se distorce ao passar por grandes e densas estruturas cósmicas, como aglomerados de galáxias. Esse efeito é semelhante a observar um padrão quadriculado no fundo de uma piscina vazia e notar a distorção à medida que a água é adicionada.
Esse fenômeno é chamado de “lente gravitacional”, conceito previsto por Albert Einstein em sua teoria da relatividade geral.
Ao analisar como a CMB foi distorcida ao longo do tempo, os cientistas podem aprender muito sobre a evolução da matéria ao longo de bilhões de anos.
O mistério da “aglomerabilidade” do universo
Enquanto os dados do ACT oferecem um retrato da CMB em sua “infância cósmica”, o levantamento do DESI fornece um registro mais recente, refletindo um universo “maduro”.
O DESI mapeia a estrutura tridimensional do cosmos ao analisar a distribuição de milhões de galáxias, especialmente as chamadas galáxias vermelhas luminosas (LRGs). Essas galáxias funcionam como marcos cósmicos, permitindo que os cientistas reconstruam a dispersão da matéria ao longo do tempo.
“As LRGs do DESI são como uma versão mais recente do universo, mostrando a distribuição das galáxias em diferentes distâncias”, explicou Kim. “Essa é uma ferramenta poderosa para entender como as estruturas evoluíram desde a época da CMB até os dias atuais.”
Ao combinar os mapas da lente gravitacional da CMB gerados pelo ACT com os dados das LRGs do DESI, os cientistas puderam analisar a evolução cósmica como quem folheia um álbum de fotos que registra o crescimento de um bebê até a vida adulta.
Contudo, ao examinar essa linha do tempo cósmica, a equipe encontrou uma pequena discrepância. A quantidade de “aglomerados” de matéria detectada nas fases mais recentes do universo não corresponde exatamente às previsões teóricas.
Embora essa diferença não seja grande o suficiente para indicar a necessidade de uma nova física, ela sugere que as estruturas cósmicas não evoluíram exatamente conforme os modelos do universo primordial previam. Os resultados também indicam que o crescimento estrutural do universo pode ter desacelerado de maneiras que os modelos atuais ainda não conseguem explicar completamente.
“Descobrimos que, no geral, a formação das estruturas cósmicas segue surpreendentemente bem as previsões da gravidade de Einstein”, afirmou Madhavacheril. “No entanto, detectamos um pequeno indício de discrepância na quantidade de aglomerados esperados em épocas mais recentes, cerca de quatro bilhões de anos atrás, o que pode ser algo interessante de investigar.”
Os pesquisadores pretendem continuar explorando esse fenômeno, contando com telescópios mais avançados no futuro, que devem fornecer medições ainda mais precisas.