Um novo estudo revela que aquela baratinha teimosa que aparece no ralo da pia e corre se esconder embaixo da geladeira é, na verdade, descendente de uma linhagem muito antiga que remonta a milhares de anos nas antigas civilizações do sul da Ásia.
A pesquisa mostra que a jornada evolutiva dessas pequenas pragas urbanas, de simples consumidoras de restos nas sociedades asiáticas antigas até se tornarem inquilinas indesejadas em nossas casas modernas, está diretamente ligada às grandes mudanças históricas no comércio global, colonização e guerras ao longo dos séculos.
Conhecidas popularmente como baratas alemãs, esses insetos da espécie Blattella germanica estão espalhados por cidades do mundo inteiro. Embora tenham aparecido nos registros científicos europeus há cerca de 250 anos, o que lhes rendeu o apelido de “alemãs”, sua origem exata era um mistério até agora.
Para desvendar de onde vieram e como se espalharam, o biólogo evolutivo Dr. Qian Tang e sua equipe da Universidade Harvard coletaram 281 amostras de baratas alemãs de 57 localidades em 17 países diferentes. Analisando o material genético desses espécimes, os pesquisadores conseguiram rastrear sua evolução.
“Nosso principal objetivo era mostrar como uma espécie pode viajar junto com os humanos e como a genética pode preencher as lacunas deixadas pelos registros históricos”, explica Tang.
Para surpresa dos cientistas, as análises genômicas revelaram que a linhagem moderna dessas baratas remonta a muito antes da Europa do século XVIII. De acordo com os resultados, elas evoluíram de uma espécie de barata selvagem asiática chamada Blattella asahinai há incríveis 2.100 anos!
Os pesquisadores especulam que, naquela época, populações humanas nas regiões que hoje são Índia e Mianmar começaram a praticar a agricultura nos habitats naturais dessas baratas asiáticas selvagens. Em um processo de adaptação, os insetos mudaram seus hábitos alimentares para incluir os alimentos cultivados pelos humanos e, posteriormente, passaram a viver junto às suas moradias.
Um milênio depois, por volta do ano 900 d.C., com o aumento do comércio e atividade militar entre o sul da Ásia, Oriente Médio e, mais tarde, Europa, essas linhagens de baratas domesticadas começaram a se espalhar para o oeste, provavelmente viajando escondidas nas cestinhas de comida de soldados e viajantes. A análise genética aponta que elas chegaram à Europa por volta de 270 anos atrás, perto da época em que o famoso geneticista sueco Carl Linnaeu as documentou formalmente em 1776, logo após a Guerra dos Sete Anos que assolou Ásia, Europa e América do Norte.
Dos porões e armazéns da Europa, as baratas migraram para as Américas cerca de 120 anos atrás, de acordo com o estudo.
“Os insetos fazem parte da história da sociedade humana”, comenta a Dra. Jessica Ware, curadora de zoologia de invertebrados do Museu de História Natural de Nova York, que não participou da pesquisa. “Já sabíamos que os humanos eram responsáveis por espalhar muitas espécies de pragas urbanas. E que as rotas comerciais transatlânticas provavelmente foram as culpadas pela disseminação das baratas alemãs. Mas ver isso comprovado pela assinatura genética dessas populações é realmente empolgante.”
Ware prossegue: “As condições que permitiram que os humanos prosperassem – como encanamento e aquecimento internos – também facilitaram a vida das baratas. Ao construirmos redes de esgoto sob nossas cidades, inadvertidamente oferecemos um bufê perfeito para esses insetos.”
No próximo passo, Tang planeja sequenciar o genoma completo de centenas de amostras para entender melhor como essas baratas se adaptaram tão bem aos ambientes humanos. “Por exemplo, a barata alemã desenvolveu resistência a inseticidas que não é vista em muitas outras pragas urbanas. Como elas evoluíram tão rápido? Será que essa característica já existia em seus genes e apenas se manifestou devido às pressões causadas pelos humanos?”, questiona.
Os cientistas também vão investigar as bases genéticas dos comportamentos sociais e de comunicação que as baratas usam para localizar fontes de alimento. “Queremos descobrir se essa habilidade de sobrevivência também é um ‘presente’ que elas ganharam da convivência com os seres humanos”, conclui Tang.