Entidades de defesa do consumidor, pessoas com deficiência e autismo denunciaram nesta terça-feira (4) no Senado suspensões unilaterais de planos de saúde. Recentemente, aumentaram as queixas de usuários sobre cancelamentos sem aviso prévio, deixando-os sem assistência médica privada.
“Os idosos estão sendo excluídos unilateralmente. Somos agora presa fácil para ser excluída do mercado. É descartável. E a falta de respeito está no contrato [firmado com o plano]”, afirmou Renê Patriota, da Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde (Aduseps).
Renê participou de uma audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, onde representantes de empresas também discutiram as dificuldades financeiras do setor.
Entre abril de 2023 e janeiro de 2024, foram registradas mais de 5,4 mil queixas de cancelamentos unilaterais de planos de saúde no portal consumidor.gov.br, vinculado à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
Para Renê, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) precisa regular melhor o mercado e impedir que contratos sejam firmados da forma como têm sido. Ela citou uma idosa que recebeu uma carta informando o cancelamento de seu plano na segunda-feira (3).
“Nós temos várias cartas dizendo que o contrato está sendo cancelado unilateralmente. O contrato diz que pode ser cancelado. Além disso, os ajustes são extremamente abusivos. E já vi uma pessoa que completou 59 anos e teve um reajuste de 90%. Isso é uma exclusão”, destacou.
Diante da pressão social, um acordo verbal foi firmado na última semana entre parlamentares, liderados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), e empresários do setor. O acordo definiu que os cortes dos últimos dois anos devem ser revistos para pessoas com doenças graves ou Transtorno do Espectro Autista (TEA).
A defensora pública federal Carolina Godoy Leite, coordenadora do Grupo de Trabalho da Saúde da Defensoria Pública da União (DPU), relatou denúncias “dramáticas” de cancelamentos unilaterais.
“Mães de crianças com autismo tiveram o plano cancelado e, mesmo após a reunião da semana passada, várias crianças continuam com o plano suspenso. Pessoas idosas que estavam em tratamento domiciliar tiveram também seus planos cancelados. Os relatos que nós recebemos são dramáticos”, afirmou.
Lucas Andrietta, coordenador do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Direito do Consumidor (Idec), defendeu que o cancelamento unilateral seja proibido em todos os tipos de planos de saúde. Atualmente, apenas os individuais e familiares têm essa proteção, mas os coletivos não.
O representante do Idec alertou que muitos desses planos são falsos coletivos. “Mais de 80% dos planos de saúde hoje estão em planos coletivos, inclusive planos falsos coletivos”, disse.
Renê Patriota denunciou que vendem-se planos coletivos com características de planos individuais. “Vende-se contrato coletivo que deveria ser individual; contrato coletivo empresarial para a família; duas ou três pessoas podem fazer um contrato coletivo”, afirmou.
Carolina alertou ainda sobre a necessidade de rever o sistema de saúde suplementar no Brasil. “O cidadão precisa saber que no futuro ele terá que vender a casa própria para poder pagar a sua conta de plano de saúde. Eu tenho 68 anos, meu plano de saúde hoje é 4 mil reais. Se eu viver mais 30 anos pagando 4 mil reais e não houver aumento, eu terei pago R$ 1,5 milhão de plano de saúde. Se prepare, cidadão, se prepare”, concluiu.
Planos de Saúde
A saúde suplementar no Brasil enfrenta uma grave crise financeira, segundo representantes do setor. A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) revelou que 55% das operadoras encerraram 2023 com prejuízos, em contraste com 31% no período entre 2018 e 2019. Atualmente, 309 operadoras registram resultados negativos, afetando 23 milhões de usuários.
“Nosso maior risco é chegar a um ponto em que não conseguiremos sustentar o setor. A sustentabilidade é essencial para atendermos 51 milhões de brasileiros. São mais de 600 operadoras”, afirmou Marcos Novais, diretor-executivo da Abramge.
Novais esclareceu que os cancelamentos recentes foram de planos coletivos por adesão, sem seleção individual de beneficiários. “Foram rescisões de contratos inteiros, sem qualquer tipo de seleção de pessoas”, explicou.
Anderson Antônio Monteiro Mendes, presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde no Distrito Federal (Unidas DF), que gerencia planos de saúde de 4,5 milhões de pessoas, incluindo funcionários de empresas como Itaú, Correios, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, destacou a deficiência dos contratos atuais, alertando sobre o impacto no sistema de saúde suplementar e público.
“Essa deficiência será repartida por todos, não apenas pelos contratantes. Precisamos encontrar alternativas para um sistema mais eficiente, que entregue melhor qualidade de saúde”, afirmou.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pela regulação do mercado, afirmou que contratos individuais e familiares só podem ser cancelados por fraude ou inadimplência. Já os contratos coletivos por adesão e empresariais podem ser rescindidos dependendo do contrato, mas sem exclusões por “seleção de riscos”.
“É essencial estabelecer regras claras para o cancelamento dos planos coletivos, e as operadoras não podem fazer seleção de risco. O cancelamento deve ser do contrato como um todo”, destacou Carla Figueiredo Soares, diretora-adjunta da ANS. (Com Agência Brasil)