Informações ocultas nos mapas de galáxias espalhadas pelo universo podem em breve ser reveladas, graças a um novo método de análise de dados que preserva a estrutura tridimensional desses mapas.
Essas informações podem ser cruciais para determinar se o modelo padrão da cosmologia é realmente preciso ou se há desvios que possam impactar nossa compreensão do chamado “universo escuro”, composto por matéria escura e energia escura.
A pesquisa, liderada pelo astrônomo Minh Nguyen, da Universidade de Tóquio, utiliza algoritmos computacionais avançados para comparar as posições relativas das galáxias em um mapa tridimensional do universo com simulações detalhadas que reproduzem o crescimento das galáxias e os halos de matéria escura.
No passado, os astrônomos realizavam levantamentos de galáxias capturando imagens do espaço profundo em chapas fotográficas e medindo diretamente, em duas dimensões, a distribuição espacial das galáxias. As análises buscavam responder perguntas como “Quão próximas essas galáxias estão umas das outras?” e “Elas estão alinhadas de alguma forma?”.
Hoje, esses levantamentos podem incorporar uma terceira dimensão, graças à espectroscopia de múltiplos objetos, que mede o desvio para o vermelho das galáxias, permitindo determinar sua distância em um universo em expansão e criar um mapa tridimensional do cosmos.
No entanto, a análise estatística desses dados tridimensionais exige um enorme poder computacional. Para tornar esse processo mais eficiente, os cientistas tradicionalmente comprimem os dados em funções de correlação de “n pontos”, onde “n” se refere ao número de pontos analisados (geralmente dois ou três).
Embora esse método seja amplamente utilizado, há suspeitas de que a compressão da informação resulte na perda de detalhes importantes. Agora, utilizando uma técnica chamada “inferência em nível de campo” (FLI), combinada com um conjunto de algoritmos denominado “LEFTfield”, que modela o crescimento e a distribuição de galáxias desde o universo primordial até os dias atuais, a equipe de Nguyen demonstrou que informações cruciais estavam, de fato, sendo ocultadas pela compressão. O estudo rendeu ao grupo o terceiro lugar no Prêmio Buchalter de Cosmologia.
“Na inferência em nível de campo, trabalhamos diretamente com um mapa tridimensional de galáxias”, explicou Nguyen. Esse mapa é representado no computador por voxels, pequenos cubos tridimensionais organizados em uma grade. O FLI utiliza esses voxels para prever a estrutura das galáxias e da matéria escura com base no modelo padrão da cosmologia, que descreve a evolução das grandes estruturas do universo sob a influência da matéria escura e da energia escura.
“Com a ajuda de algoritmos computacionais avançados, o FLI tenta alinhar essas previsões com as posições observadas das galáxias em cada ponto da grade 3D”, disse Nguyen.
As funções de correlação de “n pontos” são populares por serem eficientes e rápidas, mas os algoritmos modernos permitem explorar os dados completos sem a necessidade de compressão.
“Felizmente, há algoritmos que aceleram a exploração desse vasto espaço de parâmetros”, acrescentou Nguyen.
Nguyen e seus colegas — Fabian Schmidt, Beatriz Tucci, Martin Reinecke e Andrija Kostić — inicialmente testaram o FLI em mapas simulados de halos de matéria escura, que são vastas concentrações invisíveis ao redor de galáxias e aglomerados galácticos. Esses halos funcionam como a “estrutura de suporte” onde a matéria visível se organiza em galáxias. Mais recentemente, como parte da iniciativa “Colaboração para além de dois pontos”, Nguyen e Schmidt aplicaram o FLI em galáxias simuladas, com os resultados prestes a serem publicados.
Os testes mostraram que a técnica melhora em três a cinco vezes a precisão da análise, em comparação com as funções de correlação tradicionais. Esse avanço sugere que informações importantes estavam sendo perdidas na abordagem convencional.
Mas o que exatamente essas informações ocultas podem nos revelar? As grandes estruturas do universo — vastas redes de aglomerados de galáxias que se estendem por bilhões de anos-luz — têm origem nas flutuações quânticas do Big Bang, que deram origem a áreas de alta densidade que cresceram sob a influência da gravidade. O FLI pode identificar assimetrias nessas flutuações, que ficaram “congeladas” no tempo na distribuição das galáxias, ou revelar anomalias na evolução gravitacional das galáxias que forneçam pistas sobre a matéria escura ou até mesmo sobre a natureza da gravidade.
Além disso, “ao acessar diretamente o campo subjacente de matéria escura associado às galáxias observadas, podemos detectar efeitos locais com maior sensibilidade”, destacou Nguyen. “Esses efeitos locais acabam sendo ocultados quando usamos funções de n pontos, pois são suavizados na média estatística.”
O próximo passo é testar o FLI com dados reais obtidos pelo Instrumento Spectroscópico de Energia Escura no Observatório Nacional de Kitt Peak, pelo Spectográfico de Foco Primário Subaru, pela missão Euclid, da Agência Espacial Europeia, e, futuramente, pelo Observatório Vera C. Rubin, que deve entrar em operação ainda este ano no Chile, além do Telescópio Espacial Nancy Grace Roman, previsto para lançamento em 2027. Essas missões realizarão levantamentos de galáxias em desvio para o vermelho, criando extensos mapas tridimensionais da distribuição cósmica.
Ainda há muito que não compreendemos sobre o universo escuro e seu papel na evolução das galáxias em grande escala. No entanto, com o FLI, agora é possível mapear a distribuição da matéria escura associada às galáxias de maneira inédita.
“Isso é algo notável, considerando que não podemos observar diretamente a matéria escura”, destacou Fabian Schmidt. “Além disso, essa abordagem complementa os mapas de matéria escura criados por meio do efeito de lente gravitacional.”
No fim das contas, o mapeamento de galáxias não se limita a descrever o universo visualmente. Ele pode nos guiar rumo a descobertas fundamentais sobre as origens de tudo o que vemos no cosmos.