Quando uma misteriosa doença que corroía a carne surgiu na Europa em 1495, dois anos após o retorno de Cristóvão Colombo das Américas, a tripulação se tornou alvo de suspeitas.
A sífilis espalhou-se para além do continente, sem um consenso de onde ela tenha surgido. Alguns historiadores argumentam que a doença era nativa da Europa.
Recentemente, cientistas realizaram testes genéticos em ossos de pessoas infectadas encontradas no Chile, Peru, México e Argentina, que viveram entre os séculos XIII e XV.
As análises revelaram formas ancestrais de sífilis presentes no Novo Mundo antes do contato europeu, sugerindo que a bactéria causadora da doença teria sido transportada para a Europa pelos exploradores.
Documentos históricos indicam que a tripulação de Colombo teria contraído a doença sexualmente transmissível depois de sequestrar mulheres indígenas.
“As evidências apoiam uma origem americana para a sífilis, sendo mais consistente com os dados a introdução na Europa no final do século XV”, afirmou Kirsten Bos, líder do grupo de paleopatologia molecular no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig.
“Embora grupos indígenas das Américas já abrigassem formas iniciais dessas doenças, foram os europeus que contribuíram para a disseminação global.”
A Doença Francesa
A sífilis foi registrada pela primeira vez em soldados franceses que lutavam na Itália sob o comando de Carlos VIII. Conhecida como “a grande pústula” ou “doença francesa”, causou a morte de cinco milhões de pessoas na Europa entre o final do século XV e início do XVI.
A infecção sexualmente transmissível começa com úlceras indolores nos genitais, seguida por erupções cutâneas, fadiga, dores de cabeça e, finalmente, pústulas malcheirosas e supurantes.
Joseph Grunpeck, médico alemão que contraiu a doença, descreveu como “tão terrível que, até então, nada mais horrendo ou repugnante havia sido conhecido na Terra”.
Em 1519, Ulrich von Hutten, poeta e estudioso alemão, relatou que “furúnculos se projetavam como bolotas” e exalavam “matéria suja e fétida”.
A sífilis pode permanecer latente por anos, permitindo que portadores a transmitam sem saber. Em estágios avançados, a pele começa a apodrecer, levando à falência cardíaca ou danos cerebrais.
O Renascimento e o Impacto na Atualidade
Embora a doença tenha sido amplamente erradicada no Ocidente no século XX, voltou a crescer nos últimos anos. De 2021 até junho de 2022, foram registrados 246,5 mil novos casos de sífilis no Brasil.
Impacto Devastador nos Povos Indígenas
Diversas doenças contagiosas cruzaram o Atlântico rumo às Américas durante o período colonial, devastando populações indígenas. A sífilis é uma das poucas que fizeram o caminho inverso, embora a “hipótese colombiana” seja alvo de muitas críticas.
A doença deixa marcas características nos ossos e dentes, mas sinais semelhantes podem ser causados por outras enfermidades, levando pesquisadores a investigar o DNA de patógenos preservados nos ossos de pessoas infectadas nas Américas.
“Sabemos há algum tempo que infecções semelhantes à sífilis ocorreram nas Américas por milênios, mas as lesões sozinhas não permitem caracterizar plenamente a doença”, explicou Casey Kirkpatrick, paleopatologista do Instituto Max Planck.
A equipe conseguiu recuperar e analisar cinco genomas antigos da “família da sífilis”, estabelecendo a relação entre formas extintas e as cepas atuais.
As análises mostraram linhagens que precedem as europeias, contribuindo para a explosão de casos de sífilis no século XV.
Agora, os pesquisadores esperam realizar estudos semelhantes em ossos europeus anteriores ao surto, buscando identificar infecções já existentes.
“A busca continua para definir essas formas anteriores, e o DNA antigo será certamente um recurso valioso”, disse Johannes Krause, diretor do departamento de arqueogenética do Instituto Max Planck.
“Quem sabe que outras doenças relacionadas já circulavam pelo mundo, em humanos ou animais, antes do surgimento da família da sífilis.”
